Continuando a falar do porto de Lourenço Marques (LM), actual Maputo cerca de 1900 combinarei aqui fotos da Missão Suíça (DMO) disponibilizadas no site da Universidade Southern California (USC) com a "Descrição da Costa de Moçambique de LM ao Bazaruto" escrita pelo oficial da Armada, na altura em serviço civil, Guilherme Ivens Ferraz para um congresso e que se encontra aqui.
Este relatório foi publicado em 1902 e naturalmente reporta ao que sucedeu até aí mas já refere que estava em construção a ponte-cais acostável que descrevemos em detalhe nesta série e de que a primeira parte foi inaugurada em 1903.
Guilherme Ivens Ferraz (GIF) foi capitão do porto até 1899 e seria por isso a pessoa que melhor o conhecia e nesse relatório desenvolve muitos aspectos que outros autores não abordaram ou que fizeram de forma incompleta e que a observação das fotos, por si só, não deixaria ver.
Quanto às fotos, para as que mostram mais veleiros ou navios de propulsão mista à vela e a vapor, a USC coloca-lhes datas muito genéricas (1896 - 1911) mas suponho que sejam de por volta de 1900. Por isso haverá certa correspondência entre estas imagens da DMO / USC e o que GIF relata. Vejamos então essas fotos de que já vimos uma relacionada aqui e da mesma época.
FOTO 1
Photograph of ships in Maputo harbour (USC) |
Podemos assinalar na FOTO 1 alguns pontos de mais interesse e que em parte se interligam com o relato de Guilherme Ivens Ferraz (GIF), como iremos vendo:
FOTO 1 com marcas
Amarelo: pequena lancha a vapor Vermelho: rebocador a vapor cuja proa estava escondida pela grande barcaça Roxo: presumo que também rebocador a vapor, visto pela popa Verde: barcaças para onde a carga dos navios era descarregada e que eram levados para o cais por rebocadores Castanho: navios mistos a vapor e vela, um pequeno e um grande Azul: grande veleiro (não se vê chaminé de máquina a vapor) Laranja: oficinas navais da Catembe Preto: ponta Lochmere ou da Catembe, um pouco para Oeste das oficinas |
A foto seguinte foi tirada com poucos minutos de diferença da de cima mas duma posição uns 500 metros para leste no estuário = para o lado da ligação entre este e a baía, como se pode observar relacionando os navios que são comuns, por exemplo o vapor com fumo a sair da chaminé com duas listas e o veleiro grande de três mastros e de casco pintado de escuro que aparecia um pouco para oeste desse vapor e que tinha rodado um pouco para sul:
FOTO 2
Vapores mais para a entrada no estuário a partir da baía (lado leste) e veleiros mais para o fundo (para montante do estuário, do lado da Matola) |
No artigo seguinte veremos outra foto similar a estas duas, principalmente à FOTO 2, só que nela esse vapor aqui ao centro da FOTO 1 e ao centro direita da FOTO 2 já não parecia estar a deitar fumo pela chaminé.
No seu relatório de 1902, GIF após descrever o acesso ao porto de LM a partir do oceano Índico passando pela baía do Espírito Santo, actual de Maputo e no que se relaciona com canais de navegação, sinais e configuração da costa, escreve o seguinte a partir da página 30 o que permite tomar conhecimento de alguns aspectos interessantes (aqui após alguns cortes do original e comentários adicionados):
"Quadros: O quadro dos navios de guerra é a E. do meridiano (linha na direcção Norte - Sul) do mastro de signaes da Capitania (ver aqui); segue-se para W. o quadro da alfândega, que se extende até ao fundo do porto, reservando-se aos paquetes o ancoradouro em frente da ponte da alfândega. Todos os navios, que tiverem mais de 24 h de demora no porto, são obrigados a fundear a dois ferros.".
Na FOTO 1 vemos com a marca "preta" a ponta Lochmere ou da Catembe na margem sul que sabemos fica na margem oposta do estuário à Baixa e para oeste (da praça 25 de junho, antiga 7 de março ao lado da qual estava a referida Alfândega), como se vê aqui à esquerda e direita respectivamente. Tendo em conta essas posições podemos dizer que em primeiro plano na FOTO 1 seria o estuário frente à Alfândega, no início = mais a leste do porto e que os navios a vapor estavam por aí fundeados, o que corresponde à posição que GIF afirma estar dedicada aos paquetes. Na FOTO 1 e também na FOTO 2 viam-se veleiros mais adiante ou seja mais próximo da ponta da Catembe e para lá = oeste dela. Noto que nas duas fotos não conseguimos distinguir navios de guerra cujo local de ancoragem seria, segundo GIF para leste, ou seja para a esquerda da FOTO 1 e frente à enseada da Maxaquene e onde o estuário se liga à baía, zona que vimos aqui também por essa época.
Podemos ver numa carta do porto de 1906 que nessa época ainda se mantinha a disposição (quadros) para os navios fundearem que GIF relata e que se observa nas fotos provávelmente anteriores. Tal quer dizer que essa disposição não tinha sido alterada com a entrada ao serviço em 1903 da ponte-cais Gorjão directamente acostável a grandes navios. As razões para tal podem ter sido que continuou a haver veleiros (e as respectivas barcaças) para os quais seria mais fácil ancorar no estuário do que tentar atracar no novo cais e que o crescimento deste, ampliando o anterior que tinha sido desenhado para barcaças, foi gradual. Assim durante um certo tempo terá continuado a haver veleiros e barcaças como dantes e daí ter-se mantido as posições (quadros) anteriores para os diferentes tipos de navio no estuário. Note-se ainda que mesmo com a nova ponte-cais acostável era preciso definir no estuário onde fundeariam os vapores ou os navios mistos que estivessem a aguardar por lugar para acostar na nova ponte-cais e que para facilitar manobras deveriam ser separados dos veleiros.
Vejamos então o que mostra a CARTA do porto de LM actualizada em 1906 relativamente aos quadros dos navios e aos pontos mais relevantes em terra para servirem de referência:
CARTA de 1906
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A ponte holandesa ou neerlandesa, que como se vê na carta ficava para a direita = norte do o quadro dos veleiros e por isso pode estimar-se que nas FOTOS 1 e 2 estaria para a direita e para o fundo do que se vê nelas.
A Ponte da Alfândega que GIF referia em 1902 não era originalmente indicada na CARTA de 1906 pois tinha sido uma estrutura do tempo do CA que tinha sido entretanto adaptada para servir como primeira doca, a reentrância que se vê a leste da nova ponte-cais "branco". Mas tomando-a como referência bem assim como à zona da Capitania referida por GIF e como indico na legenda, relativamente os quadros no estuário por tipo de navio, o que aparece na CARTA e o que GIF relatava é semelhante e como vimos é também genéricamente o que se observa nas FOTOS 1 e 2.
Para concluir segue-se nova foto da zona portuária tirada pelos missionários suíços penso que olhando-se do estuário para terra por onde estaria a estação dos caminhos de ferro, quer dizer em frente à parte mais a oeste da Baixa, dado que por exemplo se vê grandes armazéns do porto à direita. Como vimos antes esta zona estaria ainda antes = para leste da direcção da ponte da Catembe e daqui diriamos que esta FOTO 3 teria sido tirada dum vapor fundeado no quadro "azul médio" na CARTA mas...
FOTO 3
Ships in the harbour 1901-1907 (DSC) - vê-se ainda o cais de LM e a Baixa da cidade na margem norte do estuário |
O navio donde foi tirada a foto estaria fundeado aproximadamente para o centro desta imagem de google maps.
Nota-se que na margem do estuário parecia existir uma superfície inclinada (sobre o qual estavam algumas pequenas embarcações) e talvez existissem pontes, à esquerda e à direita, vindas de terra para o estuário mas a imagem não é clara sobre isso. O muro.suporte da linha féerrea, construido entre 1886 e 1887 também devia estar por aí a fazer de limite ao estuário.
Continuarei com mais fotos da DMO / missionários suíços do porto no virar do século XIX e relacionando-as com o resto do relatório de Ivens Ferraz no próximo artigo também integrado na série sobre o desenvolvimento do porto até ao início do século XX.
Fotos tiradas pelos missionários suíços no porto mas mais recentes neste artigo.
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