A FOTO 1 seguinte que é de 1899 e que reproduzo aqui com a devida vénia foi publicada no site delagoa bay num artigo entitulado CASA NA MAXAQUENE EM LOURENÇO MARQUES, 26 DE JULHO DE 1899 não tendo aí sido revelada a sua origem e por isso escapam-se-nos dados adicionais que se poderiam daí obter.
FOTO 1 (re-descolorida)
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Dois cavalheiros repousando presumo que em varanda de casa na Maxaquene em Lourenço Marques (LM) em Julho de 1899 |
O site delagoabay também não analisa o conteúdo e detalhes da foto mas primeiro podemos reconhecer o cavalheiro sentado à direita na foto pois dele já falamos nesta série de artigos.
MONTAGEM 1
Identificado: Theo Wandschneider em 1899 comparado com ele em
foto tirada no estúdio dos irmãos Lazarus em 1904
De Theodor (Theo) Johann Heinrich Wandschneider e da sua família falámos especialmente neste artigo. Recordando muita da informação da sua falecida bisneta alemã Barbara*, Theo era um cidadão dessa nacionalidade originário de Wismar, cidade portuária no Mar Báltico no Nordeste do seu país (que fez depois parte da RDA). De religião cristã luterana, recebeu formação de padeiro, a profissão do pai, tendo emigrado para o sul de África em 1895. Em LM trabalhou primeiro para a firma de importação e exportação com sede em Amesterdão Zuid (Zuid-Afrikaansch Handelshuis ou Casa Comercial Sul Africana), estabeleceu-se depois por conta própria mas regressou mais tarde à Casa Zuid. Viveu no total 23 anos em LM tendo de cerca de 1916 a 1918 estado internado como "inimigo" alemão primeiro na cidade e depois em Portugal. Após a primeira Guerra Mundial ainda voltou a LM mas partiu depois para Angola onde a Casa Zuid também estava presente. No início dos anos 50 Theo reformou-se indo para Lisboa onde veio a falecer em 1959. Theo casou-se em LM em 1901 com Ida Henriette Ludovika Wandschneider (que era sua prima direita e que tinha já também Wandschneider no seu nome de solteira), por isso ao tempo da FOTO 1 Theo ainda era solteiro.
Na FOTO 1 podemos tentar ver os títulos dos jornais. O cavalheiro da esquerda lia o Delftsch Courant que como se podia intuir e confirmar fácilmente era um jornal da cidade neerlandesa (holandesa neste texto daqui em diante) de Delft de que se vê o historial aqui.
MONTAGEM 2
Imagem central nos cabeçalhos do jornal Delftsch Courant em 1940 e 1899 (na FOTO 1).
Mesmo brasão de armas da cidade de Delft com par de leões em pé
Quanto ao jornal que Theo, o "identificado" cavalheiro da direita, lia, o seu título não é claro embora à primeira vista pelo grafismo parecesse logo ser de língua alemã.
MONTAGEM 3
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Hamburguischer Correspondent (na FOTO 1 em 1899 em LM) e em 1920 - cabeçalhos na primeira página |
O Hamburgisher Correspondent que foi publicado de 1710 a 1934 (o seu fim foi potenciado pela subida ao poder do nazismo) foi um reputado jornal alemão do século XIX ao início do XX tendo até em certo período sido o de maior circulação no país. Esta identificação coaduna-se com a informação de que o leitor à direita seria o alemão Theo e por isso tudo me parece coerente. Quanto à data de 26 de Julho que aparece estar registada na FOTO 1 seria uma quarta feira, que não me consta fosse feriado e por isso em princípio seria dia pouco propício a repousos e fotos feitas por profissionais a gente trabalhadora, mas ... Questão sobrante é quem seria o cavalheiro à esquerda na FOTO 1 e que me parece seria mais velho que Theo. O facto de estar a ler um jornal holandês, da Casa Zuid onde Theo trabalhou ser holandesa e de na mesinha estar colocada uma garrafa de BOLS, a mais antiga marca de bebidas destiladas do mundo e que é holandesa. mostra-nos algumas ligações dos convivas aos Paises Baixos. Então uma hipótese é que esse cavalheiro fosse holandês, podia ser por exemplo o chefe de Theo na Casa Zuid. Mas também sabemos que Theo pelo menos a partir de 1902 se associou comercialmente a um certo Lueders (ou Lüders). Daí que à esquerda poderia estar esse Luders, no entanto tentando ver se seria um sobrenome holandês eu tenha concluido que podia sê-lo mas que o mais provável é que fosse alemão. Por isso a possibilidade da nacionalidade holandesa para o cavalheiro da esquerda limita-se ao jornal, só por aí já me parece forte, mas certeza nenhuma. Como pesquisa rápida na net sobre a presença de Lueders ou Lüders em Delagoa Bay e LM não deu mais resultados nomeadamente de imagens, com as "pistas" aqui enunciadas não consigo identificar o cavalheiro da esquerda na FOTO 1. Já agora, Barbara (a bisneta de Theo) informou que o casal Lueders foi padrinho/madrinha do casamento em 1901 em LM de Ida e Theo e isso na companhia dum casal Wirth. Por coincidência, Lueders, depois da sua sociedade com Theo ter terminado, tornou-se sócio de Fritz Otto Wirth (um negociante austríaco, que foi consul da China e da Rússia em LM) e que seria enão o mesmo do casamento e de Francisco de Melo Breyner (um nobre que era a personalidade portuguesa dominante nos negócios na altura), os quais eram já sócios numa conhecida firma. Isto mostra que o mundo social e de negócios de LM por essa época era pequeno e sobre o segundo falo neste artigo em que complemento o relatório de 1903 do consulado francês sobre as principais firmas locais - que em boa parte eram estrangeiras ou de estrangeiros - e onde constava já a sociedade Lueders & Wandschneider. É da data desse relatário que se pode dizer que essa firma já existia em 1902 mas se já existia em 1899, o ano da FOTO 1, não sei. Sem relação directa com a FOTO 1 e aproveitando o olhar apurado de Barbara sobre as fotos disponíveis dessa época, com os parcos e desconexos elementos de há cerca de 125 anos que nos chegaram até hoje, quer o acaso que possamos conhecer o cão da família Wandschneider e provávelmente saber qual a raça "favorita" deles, o que é um pormenor engraçado.
MONTAGEM 4
P&B: cão (junto a mainato M/F) da família Wandschneider
Castanho: foto com cão à entrada da Casa Zuid na Av. D. Luis, actual Machel e que por coincidência seria onde Theo trabalhava por essa época
Primeiro podemos dizer que nem Theo nem o cavalheiro à esquerda da FOTO 1 eram o senhor europeu de fato branco na foto castanha da Casa Zuid, a maior da MONTAGEM 4. Noto que esta foto - tirada em frente ao lado a oriente do prédio Avenida/Pott - é dita ser de 1910 e daí seria uns anos posterior à foto na praia do canto superior esquerdo da MONTAGEM 4, que atendendo ao ano do casamento do casal (1901) e à idade da menina (cerca de um ano) poderia ser de 1902 ou dos anos quase a seguir. Quanto aos canídeos, comparando-os, o da praia (o mais antigo) tinha a mancha clara na testa muito mais estreita do que a do da foto castanha (o mais recente) e que dado Theo trabalhar na Zuid poderia ser dele. Seria então o mesmo cão em que essa mancha teria alargado com a idade? Pode acontecer essa evolução? Se não, seriam só parentes? Certo é que os dois (:-) (:-) eram da mesma raça e notávelmente tinham uma coleira similar. Caso bicudo ... NB 1: Wandschneider será mais um nome de família ligado a uma profissão como é frequente (Wand é parede e Schneider é cortador mas parece que pode significar também alfaiate). Curiosamente em Portugal existem pessoas com esse apelido mas olhando para o Genialis um boa parte delas não terá a origem dos "africanos" descendentes de Theo de que aqui falamos. Quanto a um forte "ramo" nortenho de Wandschneiders pode-se dizer que Adolpho Augusto Francisco Wandschneider, nascido a 9/9/1833 na região de Hamburgo (Willsetze?), a meados do século XIX terá imigrado para o Porto onde se casou com Maria Gertrudes da Mota, natural de Arouca, dando depois origem a essa descendência.
NB 2: Thea foi um dos cinco descendentes directos de Theo e Ida e nasceu em Lourenço Marques cerca de 1909, uns dez anos depois da FOTO 1. Irmãos mais velhos de Thea foram pelo menos Lilly (a bebé que está na foto da praia e que veio a ser a avó de Barbara e que foi a única dos irmãos que não nasceu em LM pois nasceu em Durban) e Edgar. Em relação a Thea podemos ver o seguinte mostrando que viveu na Holanda pelo menos no início dos anos 30 como mostro a seguir (Edgar viveu em Espanha onde teve uma escola de línguas e ainda tem descendentes):
Thea Helena Elisabeth Wandschneider
MARRIAGE : 28 Aug 1930, Amsterdam - DIVORCE : 4 Dec 1931, Amsterdam
Groom: Lodewijk Emanuel de Vries - Place of birth: Amsterdam - Age: 23 - Occupation: office clerk
Groom's father: Emanuel de Vries - Occupation: legal advisor
Groom's mother: Pieternella Louisa Poelman
Bride: Thea Helena Elisabeth Wandschneider - Place of birth: Lourenço Marques (Portuguese East Africa) - Age: 22 - Occupation: draftswoman
Bride's father: Theodor Johann Heinrich Wandschneider - Occupation: proxy holder
Bride's mother: Ida Henriette Ludovika Wandschneider
Event: Marriage
Note-se que nesta certidão estava escrito em 1931 que a profissão de Theo era "proxy holder" ou seja "procurador" ou "representante legal". Segundo Barbara, Theo na Casa Zuid era inspector do negócio para Angola e Moçambique actividade que parece relacionada com o ser "proxy holder".
NB 3: Reflectindo sobre a facilidade dos jornais da FOTO 1 de chegarem da Europa a LM e sobre a actualidade das suas notícias, como havia uma colónia holandesa forte na África do Sul tendo em conta a origem dos boers, presumo que periódicos holandeses fossem comercializados em LM derivando desse percurso principal. No entanto para o caso particular do Delftsch Courant que seria uma publicação regional tenho dúvida de que beneficiasse dessa larga distribuição, presumo que fosse adquirido mais específicamente.
Quanto ao importante jornal alemão lido por Theo, existindo também alguma presença alemã na África do Sul e sendo o Tanganhica (vizinho imediatamente a norte de Moçambique e agora parte principal da Tanzânia) uma progressiva colónia alemã. estimo que fosse mais ou menos fácilmente disponíbilizado em Moçambique.
Estes jornais do norte da Europa deveriam chegar a LM nos navios a vapor - por exemplo da companhia DOAL (Woermann) via Mar Mediterrâneo e Canal de Suez (inaugurado em 1869) e que desciam a costa oriental de África pelo menos até Durban - com um atraso de pelo menos 1 mês. Mas sempre era um avanço em relação ao isolamento de antes das carreiras regulares e frequentes pois o telégrafo que era transmitido por cabo submarino da Eastern Telegraph seria reservado para a transmissão de informações prementes dado ser um serviço muito dispendioso.
* Artigo em memória de Barbara Peo, guardiã da memória da família Wandschneider em Lourenço Marques
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