Enseada e aterro da Maxaquene - trabalhos em 1919/20, recuo da barreira, companhia das Águas (11/16)

Em artigos anteriores tentei indicar com a ajuda de mapas a evolução da barreira durante os trabalhos do aterro da enseada da Maxaquene em Lourenço Marques (LM) iniciados em 1915. De forma a obter-se material para preencher a enseada, tinha dito que para além da remoção das elevações junto ao paiol se tinha escavado a barreira (ver artigo aqui citando parte das fontes)
Algumas fotos que permitem fazer boa idea do que se passou, mesmo que depois não se possa quantificá-lo com precisão. Três já conhecíamos e outra é nova no HoM e vem do site da Universidade do Arizona onde está na colecção Shantz do botânico norte americano que visitou LM em Outubro de 1919 e cujas fotos foram já usadas pelo sensacional site Delagoabayworld num artigo sobre o tema.

FOTO 1
Vista do Hotel Cardoso para poente abrangendo o aterro da enseada
e a barreira da Maxaquene à direita, em obras em Outubro de 1919
Na FOTO 1 vê-se os trabalhos do aterro que se tinham iniciado em 1915, estando a ser utilisados como se viu neste neste artigos anteriores, para além de trabalho braçal, equipamento e material ferroviário, caso de locomotivas, vagões e respectivas linhas para transportar a terra retirada da barreira para as depressões do antigo leito do estuário. Noto também que este equipamento só podia ter sido desembarcado no porto ao centro-sul da Baixa, pelo que estas linhas férreas tinham de se interligar com a linha para a praia da Polana que vinda da estação no porto passava junto à barreira anterior desde 1911 (falámos disso aqui).
Usarei a FOTO 1 para comparar com o estado anterior da barreira que se mostra na FOTO 2 de Wexelsen. Aí temos a enseada e a barreira (quase) original da Maxaquene no período entre 1901 e 1915, em vista para oeste e mais ou menos da mesma posição que a FOTO 1.


FOTO 2
Rosa, amarelo, azul claro e verde: as quatro secções da estrada marginal da enseada 
Rectângulos branco, cinza e laranja claro: três edifícios junto essa estrada, 
também vistos de oeste para nordeste
Castanho claro: ravina (abertura) na barreira, entre os edifícios 
dos rectângulos cinzento e branco
Traços brancos: donde tinham sito retiradas pequenas elevações
 junto à enseada antes do início dos trabalhos do aterro em 1915
Verde claro: barreira baixa ou pequenas elevações 
que se mantinham por trás das já retiradas
Losango preto: paiol sobre as pequenas elevações que se mantinham
Oval castanha escura: posição do Hotel Cardoso na crista da barreira
O edifício marcado a laranja na FOTO 2 é o bem conhecido dos Paços do Concelho. No entanto este artigo focar-se-á no edifício rodeado a branco que era um conjunto de três construções. Eles estava numa posição central na enseada, aí a barreira tinha estado relativamente próxima da praia e foi onde a sua modificação foi maior. 
Dois desses edifícios na FOTO 2 podem ser localizados na FOTO 1 e os três aparecem também na FOTO 3 mostrada em baixo (do ARPAC, primeiro mostrada aquie que é seis meses ulterior à FOTO 1. Nesta os vagões estavam na base da barreira que tinha sido escavada, não sei se a escavação continuava ou se se estava na sua fase de alisamento da barreira porque o ângulo da FOTO 3 não o permite ver. Mas para o que se passava na base temos a possibilidade de comparar o que existia antes do início e o estado a poucos meses do término dos trabalhos. 
Marquei nas FOTOS 1 e 3 em baixo e que têm muito em comum, as alterações principais que observei comparando-as com a FOTO 2. As marcas laranja grosso são as mais importantes porque dizem respeito à alteração da barreira própriamente dita digamos com uns 40 a 50 metros de altura. Introduzo também marcas laranja fino para representar o que tinha sido a zona arborizada que antes dos trabalhos estava por exemplo por trás do edifício marcado a branco e que tinha menos declive do que a barreira própriamente dita que a continuava por trás.  As marcas brancas dizem respeito às pequenas elevações que existiam mais para o fundo das fotos e de que falámos por exemplo aqui (zona do paiol) e que penso foram retiradas para facilitar a passagem junto à barreira para o lado da Ponta Vermelha antes de 1915. Em relação a  "estudos" semelhantes anteriores introduzi agora as marcas verdes claras para indicar as pequenas elevações foram retiradas entre 1915 e 1919/20. Estas marcações do que foi retirado durantes estes trabalhos ou anteriormente  (linhas brancas) não têm a pretensão de ser precisas, tentam ser indicativas do que penso aconteceu. 

FOTOS 1 (reenquadrada) e 3
Laranja grosso: onde esteve a secção de barreira alta que foi removida 
para se fazer o aterro recuando-a para a direita
Laranja fino: onde esteve a zona de declive intermédio 
que foi também removida com os trabalhos
Traços brancos: pequenas elevações junto à enseada 
retiradas antes das obras do aterro
Traços verde claro: donde foram retiradas outras pequenas elevações
durante as obras do aterro
Rosa, amarelo e azul claro: três primeiras secções a poente
 da estrada marginal da enseada
Rectângulos branco, cinza e laranja claro: três edifícios junto a essa estrada
Losango preto e branco: onde tinha estado o paiol

Castanho escuro: parte a leste da barreira que não terá sido alterada (indicatovo)
Em termos de medições aproximadas e tomando como referência a construção marcada com rectângulo branco e a barreira original que ficava na sua rectaguarda, posso estimar (MUITO POR ALTO) que no fim dos trabalhos a base da barreira passou a estar a uns 70 metros de distância das traseiras (para norte) dessa construção. Nota-se também que a nova face da barreira estava muito mais uniforme do que a original da FOTO 2. A ravina marcada a vermelho na FOTO 2 (vista na FOTO 1 e na FOTO 3 deste artigo) lógicamente tinha desaparecido, a sua parte exterior terá sido abatida e a parte interior preenchida. 
A FOTO 4 mostra a barreira vista do lado do estuário em Dezembro de 1920 (original do ARPAC visto aqui também sobre este tema), altura em que os trabalhos do aterro deviam estar concluídos e permite uma vista complementar e um pouco posterior à das FOTOS 1 e 3. Embora eu tenha algumas dúvidas no que respeita à equivalência entre o edifícios da rectângulo branco com o das fotos anteriores, a FOTO 4 permite ver de frente, embora à distância, o resultado geral dos trabalhos no que diz respeito à barreira.  


FOTO 4
Laranja grosso: onde esteve a secção de barreira removida para se obter material 
para o aterro, tendo essa parte da barreira recuado para norte
Rectângulo laranja claro: edifício dos Paços do Concelho
Rectângulo branco: pela posição penso que seja o mesmo (conjunto) de edifícios

 ao centro da FOTO 1 reenquadrada
Como dissemos antes, na FOTO 4 vê-se que nem toda a barreira foi removida/recuada/uniformizada nestes trabalhos pois há vegetação na sua parte mais a oriente = leste = direita que foi mantida. Se a localização na FOTO 4 do edifício do rectângulo branco estiver correcta, concluir-se-ia que os trabalhos principais na barreira terminaram mais ao menos por trás dele. Penso que isso estaria em concordância com os arbustos que estão à direita da FOTO 3 que mostram que um pouco para leste desse edifício (para o lado de cá nessa foto) a barreira original foi mantida.
Para localizar mais exactamente a zona de aterro e barreira nas proximidades do edifício do rectângulo branco das FOTOS 1 (reenquadrada) e 3, temos mapas de antes dos trabalhos do aterro (que já tinhamos visto aqui). Marco neles os mesmo edifícios e secções da estrada marginal que marquei nas FOTOS 1 (reenquadrada) e 3 e conclui-se que a zona do edifício do rectângulo branco era a que ficava mais para dentro da enseada, ou seja perto do centro da sua concavidade. Essa zona ficava sob onde estavam ao cimo na barreira e na encosta da Maxaquene as chamadas depois Avs. Princesa Patrícia e General Botha, actuais Avs. Allende e Nduda.

MAPAS de ANTES do ATERRO (já previsto nas duas últimas)
Rosa, amarelo, azul claro e verde: quatro secções da estrada marginal, 
enumeradas sucessivamente de oeste para leste
Laranja claro: edifício dos Paços do Concelho
Rectângulo branco: presumo que seja o conjunto de 
edifícios ao centro
 da FOTO 1 reenquadrada, ficava o máximo afastado do estuário
Traços brancos (e pretos): onde tinham estado pequenas elevações junto à enseada 
que c. 1910, antes das obras do aterro, tinham sido retiradas 
Tracejado em baixo: plano inicial para cais e aterro depois simplificado 
e adaptado para se tornar o do muro de suporte do aterro da Maxaquene
Losango preto e branco: onde tinha estado o paiol
Oval castanha escura: posição do Hotel Cardoso na crista da barreira 
donde as FOTOS 1 e 2 terão sido tiradas
Vermelho: rampa na barreira para a Ponta Vermelha
Violeta e roxo (em cima dos mapas): respectivamente início das 
Avs. Princesa Patrícia e General Botha, actuais Allende e Nduda
A partir do mapa de 1903 podiamos então dizer que o conjunto de edifícios do rectângulo branco seria da Companhia das Águas, ao qual no mapa de 1910 era acrescentado o termo em inglês Water Works (tinhamos já referido isso aqui e aqui). No mapa de 1910 estava também mencionado reservoir = reservatório e olhando com atenção para esse conjunto de edifícios nas FOTOS 1 e 3 vê-se junto um depósito elevado frente à antiga estrada marginal do tempo da enseada o que penso confirma a sua localização e explica a sua utilização. 

FOTOS 1 reduzida e 3 reduzida
Amarelo e azul claro: secções intermédias da estrada marginal pré-aterro 
que se interligavam quase em frente do conjunto de edifícios da marca branca
Oval azul escura: sobre a "tampa" do depósito de água de forma cilíndrica
e elevado por uma estrutura
Carmesim: chaminé indicando presença de máquina (a vapor)
A máquina da chaminé serviria por exemplo para bombar água deste reservatório para canalizações que a levava ao alto da barreira (para a distribuição na Ponta Vermelha e na Polana) e/ou para a Baixa da cidade na direcção de sudoeste. Recordo que neste artigo tinha dito que provávelmente teria sido por este local a fonte natural onde os navios em tempos antigos vinham fazer aguada nesta costa. Diz Alfredo Pereira de Lima que tinha sido aí o abastecimento dos holandeses e depois era conhecida por fonte Albasini ou Alvazim. Estariam relacionadas com essa fonte a tentativa em 1890 de Hermann Kolm de construir uma cisterna e de Adriano de Sousa de regularizar o seu caudal em 1892.
Resumindo, ficamos aqui com uma ideia mais concreta de que parte e em quanto a barreira recuou ao ser feito o aterro da enseada da Maxaquene entre 1915 e 1920. Penso que também conseguimos visualizar outra das estações de produção / distribuição de água da cidade de Lourenço Marques nos seus inícios depois de possívelmente a estação do Maé nos anos 20 ter sido "achada" aqui a partir também de fotos antigas.

NB: Quanto a água e saneamento, Lisandra Franco de Mendonça na sua tese de doutoramento refere também na página 162 que em 1892 havia também uma fonte na Abegoaria mas não esclarece qual das várias que aparece por exemplo representada ainda no mapa de 1925/26. ""A captação da água que alimentava as fontes públicas fazia-se por um coletor dreno de cimento, colocado no sopé da encosta que separava a Baixa da cidade da Alta. A água era canalizada para um tanque “colocado por baixo da encosta do quartel da Polícia, onde est[ava] a instalação para a sua elevação para dois reservatórios colocados, um no Alto da Maxaquene, à cota 62, e outro próximo do Paiol, à cota 32” (Soeiro, 1895: 10-11). De modo a facilitar o abastecimento de água (dadas as diferençasLourenço Marques contava, por essa altura, apenas com as fontes do Jardim (dentro do Jardim da Sociedade de Arboricultura e Floricultura), do Castilho (na esquina da Av. Aguiar com a Av. D. Carlos, junto ao terreno aforado a Gerard Pott), da Abegoaria e do Quartel (as duas últimas abertas em 1891) (Soeiro, 1892: Peças escritas, vol. 6, 3), insuficientes para as exigências do consumo (Soeiro, 1895). A aguada dos navios era feita na Fonte da Ponta Vermelha (na enseada na Maxaquene). Não havia sistema de esgotos e as águas perdidas corriam livremente à superfície do solo (Soeiro, 1895: 7). A população residente servia-se do sistema de fossas fixas ou móveis (esvaziadas periodicamente no mar na Ponta Vermelha) e a falta de latrinas públicas, para os que em grande número visitavam diariamente Lourenço Marques, gravava a insalubridade dos terrenos bem próximo das residências e a contaminação do subsolo.consideráveis de cota do terreno), a cidade foi dividida primeiramente em duas zonas. A Alta sobre a encosta, a norte da Avenida D. Manuel (atual Rua da Rádio e Av. Josina Machel), era abastecida pelo reservatório da Maxaquene, e a Baixa, a sul da mesma avenida, pelo reservatório do Paiol. No início do século XX (ca. 1906), o abastecimento de água potável, concessionado à Delagoa Bay Development Corporation Ltd., passou a utilizar “águas elevadas do rio Umbeluzi [...] conduzidas por uma tubagem de 29.420 metros de comprimento para três reservatórios de distribuição” (Terra Viana, 18 de junho de 1907: 15). A canalização atravessava a cidade longitudinalmente até à Ponta Vermelha, abastecendo os reservatórios que, por sua vez, serviam as fontes públicas.

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