Grande incêndio no porto de LM em 1902: mais info e interpretação duma foto (2/2)

FOTO 1
Foto pelos irmãos Lazarus em Lourenço Marques (LM)
A foto aqui reproduzida do site IICT parece-me que não tinha aí qualquer identificação especial e se ela existia eu desconhecia-a. Sabemos que os fotógrafos ingleses Lazarus estiveram em Moçambique de 1899 a 1908 e que a linha férrea de Lourenço Marques (LM), actual Maputo para a África do Sul foi inaugurada em 1895. Assim eu tinha assumido que a FOTO 1 mostrava um vagão, por exemplo com carvão exportado das minas da África do Sul, a ser descarregado no recinto do porto de LM. Ao fundo estaria a barreira do Alto-Maé para o interior = norte, à esquerda suspeitava que o armazém longo e perpendicular à barreira fosse de uma das estâncias de madeira junto ao cais das estâncias pelo que à direita = leste estaria o cais holandês e a casa de dois pisos em frente não tinha conseguido identificar (e continuarei a não conseguir mas agora deixa de ser ponto fundamental).
Como já falámos aqui houve em Julho de 1902 um enorme incêndio no porto de LM, actual Maputo que foi coberto pelos meios de comunicação estrangeiros. Atingiu reservas de forragem / feno do governo britânico para a cavalaria do seu exército na África do Sul onde a segunda guerra anglo-boer tinha terminado há pouco (em Maio de 1902). Uma notícia no jornal New York Times com origem em LM relatava esse acontecimento:  
Resumindo, o fogo começou a 3 de Julho de 1902, destruindo depósitos militares ingleses (não dizia de quê) e iria continuar a arder. Começou junto ao cais holandês e se o vento mudasse estavam em risco outras áreas de armazenamento, por exemplo de madeira (o que localiza o fogo com tendo sido entre os cais Holandês e das estâncias)Os bombeiros não conseguiam controlar as chamas, que iluminavam por completo a baía.
Outro artigo sobre o assunto publicado numa revista de língua inglesa em 1902 e à venda no ebay titulava na parte de baixo: o acidente no porto do Transvaal - o grande fogo em Lorenzo Marques em 1 de Julho. Fazia ainda referência ao "cais holandês", "forragem do exército britânico", "chamas tiveram de ser deixadas por si próprias", "estiveram enfurecidas durante dois dias" e  "destruiram 230 000 GBP", em linha com o que já se conhecia do artigo anterior no HoM e com a notícia do NYT, mas para esse com diferença no valor do prejuízo causado. 
Esse artigo da revista continha as três fotos seguintes que éramos informados serem dos já referidos Lazarus. As legendas que lhes coloco são traduções dos originais dessa revista com pequenos comentários extra:


FOTO 2
Construindo uma pilha de forragem (HoM: cobertas com panos molhados 
frequentemente para impedir auto-ignição com o calor?)
FOTO 3
Pilhas de forragem antes do fogo (HoM: vê-se que colocadas perto do cais e estuário)
FOTO 4
Enterrando madeira com areia para prevenir que o fogo se espalhasse
Pode ver-se que a FOTO 4 é um pormenor da FOTO 1 e juntando-se a informação das outras legendas e da imprensa fica esclarecido o contexto em que esta foi tirada. Conclui-se assim que, do que eu assumira ao olhar para a FOTO 1 sem mais informação, o local estava correcto e o que acontecia estava no fundamental errado. 
Com as novas informações e conhecimentos anteriores da zona, posso agora precisar vários pormenores da FOTO 1 incluindo alguns antes imperceptíveis pela indefinição da imagem:

FOTO 1 com marcas (de que a FOTO 4 é parte)
Foto de Lazarus com indicações HoM e agora datada de Julho de 1902
Compreende-se agora que a mancha clara à direita da FOTO 4 mostra o fumo do incêndio (o que eu imaginava antes ser poeira a sair do carvão ao ser remexido). 
Como disse em cima, as referências ao Cais Holandês nas proximidades e às áreas de armazenamento de madeira como estando em risco aponta logo a que essas fossem as do cais da estâncias. Segundo o mapa de 1909 o espaço mais próximo era o da firma Wilkens e Ackerman e pela proximidade do fumo à direita = leste = oriente o risco de propagação para a madeira aí armazenada (parte a descoberto e parte provávelmente dentro do armazém) realmente parecia grande. Onde escrevo na FOTO 1 em cima "barreira contra o fogo", pelos textos seria um misto de muro de areia e de faixa em que a madeira (troncos ou toros) aí depositada estivesse a ser coberta com areia por impossibilidade de a deslocar para local mais seguro.  
No final para mim a lição é que sem conhecermos o contexto não sabíamos que a tarefa mostrada na FOTO 1 não era rotineira, como eu e certamente muitos terão assumido, mas urgente e crucial. Deve ter sido para transmitir esse elemento "épico" que os Lazarus a tiraram desse ângulo e com esse enquadramento. A mesma FOTO 1 ao ser reduzida pela revista à FOTO 4 penso perdeu impacto, embora tenha ganho detalhe. Passei a olhar para a FOTO 1 como na linha e talvez percursora das fotos que as propagandas das grandes potências fizeram das suas realizações humanas, técnicas e científicas e de que passaram a ser os símbolos.   
Para finalizar mais uma foto do arquivo da Missão Suíça de Lourenço Marques (LM) agora chamada DM-Echange et Mission disponibilizadas através da USC digital library que tinham como legenda geral "fogo nas forragens em 1901/1902".

FOTO 5
Incendie à Maputo durant la Seconde Guerre des Boers. Des fourrages en feu.

Vê-se então o fogo lavrando ao fundo, presume-se que na direcção do cais e do estuário e uma barreira de sacos (de areia?) levantada nessa direcção. Noto que a legenda fala de  "bags of oats" ou seja sacos de aveia.
PS: A propósito de possíveis enganos de imagens, mas neste caso mais crus e voluntários, tenho a impressão que ao alterar a FOTO 1 para criar a FOTO 4 a revista tentou também "europeizar" o original dos Lazarus pois algumas das pessoas na FOTO 4 não me parecem ser exactamente iguais às da FOTO 1 embora estejam na mesma posição. 

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