Porto carvoeiro da África Austral - resumo de artigo de António Sopa na revista Xitimela

Resumirei um artigo muito completo publicado pelo historiador Dr. António Sopa na revista Xitimela dos Caminhos de Ferro de Moçambique n. 20 de Abril de 2013, que refoco e a que acrescento o que acho útil mais a respeito do contexto diplomático e comercial (espero que o Dr. Sopa e a revista considerem isto como "fair use" do seu valioso trabalho). 
Aos poucos foi-se conseguindo explicar o assunto da carvoeiras de forma mais lógica e completa. Sobre elas publiquei já vários artigos uns baseados na observação das fotos e outros usando os textos de Santos Rufino, do Eng. Pinto Teixeira e penso que de Alfredo Pereira de Lima e neste estádio todos eles se completarão.
Seguindo o artigo do Dr. António Sopa mas como dito retirando e adicionando o que acho pertinente em particular ligações a outros artigos no HoM, desde 1897 havia ideia de se instalar uma instalação para carvão do Transvaal (mineral ou de pedra) no porto de Lourenço Marques (LM). Concretamente, depois da ligação em 1895 de LM em Moçambique a Pretória no Transvaal por via férrea apareceram propostas para se fazer um cais para carvão por parte de uma mina de carvão sul-africana e de empresas internacionais com delegações em LM, da Hansen-Schrader e de associados da Wilken & Ackerman. A nova via férrea passava pela região das minas do Transvaal (Middelburg, Witbank) oferecendo-lhes caminho mais curto para o mar do que via Durban pelo que, se se criassem condições técnicas para tal, o preço de transporte (envolvendo as duas companhias de caminhos de ferro de cada lado da fronteira) mais as tarifas no porto de LM, podiam ser competitivos. Mas o preço final de exportação do carvão por LM a longo termo dependeria também das taxas aduaneiras e outros impostos sobre mercadorias estrangeiras que seriam cobrados por Portugal, que teriam de ser também favoráveis em comparação com os de Durban onde potencialmente podiam ser zero (veremos depois)..
Em termos políticos o Transvaal no período de 1881 até 1902 foi um estado boer (africaner) independente (SAR) e preferia depender estratégicamente do porto português de LM do que do inglês de Durban. A exportação de carvão do Transvaal era vista também com muito interesse pelas autoridades portuguesas pois os vagões dos caminhos de ferro partiam de LM carregados de materiais e equipamentos para o desenvolvimento do Transvaal mas no regresso voltavam vazios porque o Transvaal exportava pouco em volume. O lucro marginal para os CFM no caso de conseguir que a exportação de carvão do Transvaal se fizesse pelo porto de LM seria por isso elevado pelo que as autoridades portuguesas encararam positivamente o investimento em instalações carvoeiras. 
Antes de haver ponte-cais no porto de LM o carvão era descarregado e levado dos vagões às barcaças em que era conduzido aos navios atracados no estuário. Estas transferências eram feitas em cestos içados por guindastes ou em sacos carregados por trabalhadores nativos. A ponte-cais de 1903 permitiu a acostagem de grandes navios pelo que as barcaças puderam ser dispensadas, mas o manuseamento de carvão no porto para os navios acostados continuou a ser lento pelo que os vagões ficavam ocupados muito tempo no cais o que afectava negativamente a operação da linha férrea.

FOTO 1
Carvão em sacos transportado por trabalhadores de vagão para navio atracado
na ponte-cais Gorjão de LM
 (HoM: de facto sacos não vejo, vejo cestos)
Em 1902/3 o Transvaal tinha voltado à tutela britânica o que poderia prejudicar o seu interesse no tráfego por LM versus porto de Durban que sempre foi colónia britânica. Mas mesmo assim, em 1906 e dado que as explorações carboníferas do Transvaal estavam a crescer, as novas autoridades sul-africanas solicitaram melhoramentos no porto de LM para aumentar o volume das suas exportações. 
Um primeiro passo foi a construção dum depósito ou parque de carvão em 1907 (ver aqui uma foto ao fundo) e como o carvão era ai despejado dos vagões (presumo que mecânicamente) estes eram libertados muito mais rápidamente do que se tivessem de esperar que o carvão fosse manualmente colocado em cestos ou sacos para seguir do vagão directamente para o navio como acontecia ao tempo da FOTO 1. 
Em 1908 foi assinado com os sul africanos o acordo relativo a preços e ao plano de desenvolvimento do porto de LM, tendo nesse ano o carvão passado a ser o seu tipo de produto mais exportado.
Como tinha sido acordado, em 1914 (ou 1915?) foi instalada a primeira carvoeira mecânica (Mac Miller, mais aqui) e o porto de LM tornou-se o maior carvoeiro da África Austral. Cada ciclo de funcionamento desta carvoeira para pesar, levantar e despejar um vagão cheio com 40 toneladas para o navio atracado na ponte-cais demorava quatro minutos processando-se assim 400 toneladas por hora (ficando 20 minutos para intervalos). Mas essa primeira carvoeira teve avarias frequentes e que eram de difícil reparação e em 1923 foi instalada a segunda carvoeira (o par Provay, também aqui).

FOTO 2
Par da carvoeira Provay com o guindaste das 60/80 toneladas 
ao lado para montante do estuário
Noto que neste ponto preciso, o artigo da Xitimela aparece com algumas contradições em relação ao que eu tinha visto antes e no que respeita ao guindaste das 60/80 toneladas
1. diz o artigo que o seu uso para a segunda carvoeira não se concretizou, quando penso que talvez lhe estivesse previsto inicialmente um papel mais activo, mas pelo que vejo (e se pode imaginar pela sua posição próxima na FOTO 2) o guindaste era utilizado na Provay para direccionar as pontas dos baldes para os porões dos navios
2. diz o artigo que o guindaste tinha sido fabricado em Cardiff, quando tudo leva a crer o tivesse sido em  Hamburg(o) - aqui, aqui e aqui
Mas poderá haver alguma explicação para estas diferenças e não é crítico para o que aqui se sumarizou e adiante.
Ainda segundo o artigo a carvoeira Mac Miller funcionava a electricidade e era operada só por três pessoas, ocupando uma delas o posto de comando a uma altura de 15 metros (a altura total da sua estrutura era de 20 metros). Eis essa carvoeira em 1936 em foto publicada na revista "Portugal Colonial":


FOTO 3
Mac Miller vista para sudoeste em 1936
As exportações das minas de carvão de Witbank na África do Sul nunca conseguiram preencher a capacidade das carvoeiras do porto de LM.
Mais aceleradamente depois da segunda guerra mundial o carvão mineral foi sendo substituído por outros combustíveis. Nos anos 30 a carvoeira Provay foi adaptada ao carregamento do minério de crómio mas acabou sendo desmantelada em 1968. A carvoeira Mac Miller que até era mais antiga mas presumo estorvava menos no cais, ainda se via em 2012 mas desapareceu depois (aqui ao fundo talvez sejam imagens dessa operação).


FOTO 4
Ainda os remanescentes da carvoeira Mac MIller à esquerda 
e do guindaste das 60/80 toneladas mais para o centro = para nascente
As fotos de cima com excepção da terceira são reproduzidas do artigo da revista Xitimela dos CFM. A seguinte é dum Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro disponibilizado pela Hemeroteca  Digital de Lisboa. É uma vista para poente = montante do estuário no ano de 1933 compreendendo as carvoeiras Mac Miller e Provay em funcionamento

FOTO 5
Vermelho: uma das torres do par da Provay, tendo sido a foto tirada da outra
Verde: na base da carvoeira Mac Miller
Azul: na base do guindaste das 60/80 toneladas
Ver a carvoeira Mac Miller a funcionar em filme da RTP de 1963. Do minuto 4:30 ao 8:20 vê-se os vagões de carvão a serem conduzidos à base do equipamento, depois a serem içados, virados, o carvão a descer para o portão do navio, o vagão a descer para a base e  a sair daí para dar lugar ao seguinte.

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