Enseada e aterro da Maxaquene - posições possíveis do muro de suporte e ponte-cais (15/16)

Sobre as opções tomadas para se fazer as instalações portuárias de Lourenço Marques (LM) actual Maputo, por volta de 1900 e como tinha dito aqui vou tentar explicar porque se fez a ponte-cais e aterro para o interior em frente à Baixa (antiga "ilha") e entrando para dentro do estuário em vez de se fazer o aterro da enseada da Maxaquene que tinha muito menor profundidade e estava naturalmente protegida da baía e por isso parecia a solução mais simples. Como veremos o problema é que a prioridade era fazer o cais acostável para grandes navios (o aterro era essencial mas viria por acréscimo) e fazê-lo do lado da enseada (para nascente da Baixa antiga) não seria eficaz devido à pouca profundidade do estuário em frente à enseada.
Na primeira foto talvez do início dos anos 60 pode-se ver ao fundo esse aterro da enseada da Maxaquene começando na doca da capitania situada à frente da Fortaleza na Baixa e indo até â base da Ponta Vermelha. Como vimos esse aterro foi construído entre 1915 e 1920 e podemos aí comparar o seu limite real a sul com o que teria sido o seu limite no plano de 1909 do Eng. Costa Serrão e (muito aproximadamente) com a linha onde teria de ser feito, de acordo com as considerações sobre o Zero Hidrográfico e a profundidade necessária, um cais acostável para grandes navios. Noto que os planos de 1909 do Eng. Costa Serrão para esta zona oriental da Baixa surgiram depois do cancelamento das Obras do Porto (OdP) em 1899 e antes do início do aterro em 1915:

FOTO 1
Castanho escuro: muro de suporte que foi construído para o aterro da Maxaquene
Vermelho: como seria o fecho do aterro no plano de 
Costa Serrão de 1909, aproximadamente
Branco: estimativa de posição dum cais acostável para grandes navios nessa zona
Castanho claro: resto do limite do trabalho do aterro, 
que se aplicaria também aos outros planos (simplificado)
Amarelo: Av. da República, actual 25 de Setembro atravessando 
o aterro entre a Baixa e a base da Ponta Vermelha
Laranja: Fortaleza na Baixa antiga

Na FOTO 1 não indico qual seria a posição do muro-cais para pequenas embarcações, estendendo-se entre a Ponta Vermelha e a ponte da alfândega que tinha sido projectado para ser a primeira secção das OdP, mas suponho que teria sido numa linha paralela e um pouco mais para o interior = esquerda em relação à "linha castanha". 
Em baixo temos a parte mais a oriente do plano de "alterações e ampliações do porto" de LM preparado em 1909 pelo Eng. Costa Serrão que era relativo ao fecho da enseada da Maxaquene da Ponta Vermelha até à zona da Fortaleza. Daí para montante = oeste = esquerda nesse plano e na sua continuidade estava a ponte-cais Gorjão frente à Baixa da ciade antiga e que em 1909 tinha atingido uns 500 metros de comprimento. A sua construção iria recomeçar uns dois anos depois e precisamente sob a direcção de Costa Serrão (ver aqui). 

Plano de 1909 do Eng. Costa Serrão (tinha falado um pouco disto aqui)
Preto: Zero Hidrográfico (ZH)
Carmesim: plano de Costa Serrão para o fecho da enseada (depois aterro) da Maxaquene, que ficava para dentro do ZH 
Verde: única parte do fecho previsto da enseada cuja construção 
seria capaz de funcionar sempre também como cais
A linha do ZH representa a linha da beira mar com a maré mais vazia astronómicamente possivel como tinha dito neste artigo. Assim o fecho da enseada da Maxaquene previsto pelo Eng. Costa Serrão em 1909 na sua maior parte (a marcada a carmesim que fica mais para a esquerda = oeste = poente) estaria para o interior do ZH o que significaria que haveria períodos de tempo (mais ou menos prolongados) em que essa parte não poderia ser usada como cais, sendo a única parte que o podia ser a marcada a verde mas muito curta. Tendo também em conta o pouco que está escrito nesse plano, não sei se a intenção seria para um cais para acostagem de grandes navios ou não mas aqui concluiu-se que não podia ser. Podia ser simplesmente para se obter uma faixa de extensão do porto (seriam os rectângulos azuis armazéns? seria a linha que vem da esquerda de caminhos de ferro?). Mas mesmo para esse efeito não pareceria muito lógico preparar o aterro para expansão urbana que parecia ser de qualidade, olhando por exemplo para os jardins que estavam previsto, e em simultâneo cortar-lhe a vista para o estuário colocando uma faixa de instalações portuárias em frente.
A comparação entre o plano do Eng. Costa Serrão que finalmente não foi avante e não sabemos porquê e o dos trabalhos do aterro da Maxaquene que foi executado de 1915 a 1920 pode ser vista no ESQUEMA 1, sendo nos dois desenhos marcadas ambas as posições e é com nelas que aparecem as marcas dessas cores na FOTO 1.

ESQUEMA 1 (clique para aumentar)
Vermelho (mais forte no plano de 1909): fecho da enseada da Maxaquene 
segundo o plano do Eng. Costa Serrão
Castanho (mais forte na planta de 1925): muro de suporte de fecho da enseada
 (aterro da Maxaquene) construído efectivamente entre 1915 e 1920

Com o plano de 1909 do Eng.Costa Serrão, uma parte substancial do estuário, na zona onde ele se liga à baía teria sido ocupada pelo aterro e suas construções. E como vimos mesmo assim esse fecho de aterro ("vermelho" na FOTO 1) não seria suficiente para se fazer um cais pois esse teria de ficar mais ainda mais profundo no estuário ("branco" na FOTO 1). 
Podemos imaginar o que tal cais "branco" na FOTO 1) teria significado em termos de: a.  acréscimo de dificuldade de construção do muro-cais, que teria de ser mais alto do que o muro suporte do aterro que na sua zona central já tem mais de 9 metros de altura (a partir do leito do estuário, ver aqui) e teria de ser mais robusto do que ele é porque estando mais para dentro do estuário estaria mais exposto às correntes / ondas da baía próxima); acréscimo de material e trabalho para se fazer o aterro até à barreira, exigindo mais profundidade e largura de escavação na barreira e mais terra a transportar daí para o aterro. Mas pondo de lado a hipótese de se fazer aí um cais para acostagem de grandes navios (a da linha "branca" na FOTO 1), mesmo a hipótese de fecho da enseada do plano de Costa Serrão (linha "vermelha") seria um obstáculo na ligação entre a baía e o estuário, o que seria mau para a navegação e talvez viesse a ter consequências ambientais a médio prazo, embora na altura não se devesse dar muito importância a isso.
Ora se a área que se obteve com o aterro da Maxaquene foi suficiente e se o cais para grandes navios se pôde expandir para o lado oeste do estuário = a ocidente da Fortaleza sem problemas técnicos de maior, não teria havido interesse em incorrer nos custos e dificuldades técnicas adicionais que o plano do Eng. Costa Serrão acarretaria se fosse só para aterro ou muito pior teria sidoi se fosse para cais. Estas talvez sejam algumas pistas explicando porque esse plano não foi seguido.
Pela posição do Zero Hidrográfico irei justificar a posição da linha branca marcada na FOTO 1 (aqui serão as linhas brancas, a tracejado e a traço-ponto) que seria a dum cais para acostagem de grandes navios. Mas como disse não sei se essa linha seria relevante no plano do Eng. Costa Serrão e segundo a informação do Eng. Galvão não tinha sido esse o objetivo das Obras do Porto (OdP) do Eng. Silvério de cerca de 1897. 

Sobreposição dos dois mapas do ESQUEMA de cima e outros elementos
Azul escuro tracejado: zero hidrográfico (ZH 1) do mapa de 1904-1906
Azul escuro contínuo: zero hidrográfico (ZH 2) do mapa de 1925
Preto (à esquerda): ponte-cais Gorjão construída a partir de 1903
Branco tracejado (estimativa HoM): onde teria de estar um muro-cais 

frente à enseada da Maxaquene para ficar fora do ZH 2
Branco a traço ponto (estimativa HoM): muro-cais que fecharia do lado da baía 
a parte a branco tracejado que fosse construída frente à enseada
Castanho: muro de suporte do aterro da Maxaquene construído entre 1915 e 20
Traços verticais castanhos: zonas que foram aterradas entre 1915 e 1920
Traços verticais roxos (três): aterro na zona das Obras do Porto de 1897 a 1899 
Azul claro (mancha à direita): superfície aquática da Doca para Barcos de Pesca, 
actual Marina criada em 1915//20
Vermelho no estuário: fecho do aterro segundo o plano do Eng. Costa Serrão, 
não se sabe bem se a intenção era só o aterro ou se era fazer cais
Vermelho em terra: vias na cidade, aprox. coincidentes nos dois mapas sobrepostos
Amarelo: estrada marginal da enseada da Maxaquene, aprox. coincidente
Laranja: Fortaleza de N.S. da Conceição na Baixa da cidada

Pontos a relevar no que se vê em cima:
A. Aparecem zero hidrográficos (ZH) diferentes em cada um dos dois mapas usados na sobreposição para o que, como absoluto leigo, coloco duas hipóteses:
 i.  terão sido estimados por hidrógrafos diferentes, mas sendo o ZH 2 (de 1925) o que tinha mais anos de registo presumo que será esse o mais correcto e esse ZH 2 ficava mais para o meio do estuário;
  ii. ao construir-se o muro de suporte do aterro (resta "castanha") entre 1915 e 1920 alteraram-se as correntes e terá daí resultado acumulação adicional de areia no estuário junto ao muro o que terá levado a que o ZH 2 (de 1925, posterior a 1920) fosse mais para dentro do estuário do que o ZH 1 (de 1903, anterior a 1920);

B. o muro de suporte do aterro da Maxaquene (recta "castanha") foi na totalidade construído para dentro (do lado de terra) do ZH 1 (e mais para dentro ainda do que o ZH 2) sendo a distância do muro de suporte aos ZH máxima ao centro da enseada. Assim há algumas alturas do ano em que ele fica totalmente fora de água mas isso não é problema pois não é usado como cais. A vantagem deste desenho foi ter básicamente sido colocado em linha recta entre os limites dos lados leste e oeste da enseada pelo que não se forçou a entrada do muro -suporte para dentro do estuário;

C. A linha branco tracejado (e a traço ponto para a encerrar de volta à costa) é a minha estimativa (indicativa) da posição (e a menos para dentro do estuário possivel) de um muro-cais à entrada da enseada da Maxaquene, tento em conta o ZH 2 (e implícitamente o ZH 1 que lhe fica para o interior) dos mapas e deixando uma margem para sul para garantir os cerca de 8 metros profundidade para acostagem de grande navios durante todo o ano.  Passando essa linha para a FOTO 1 (ai é linha "branca " contínua) vê-se que ela (muro-cais) ficaria bastante para sul do que seria o fecho do estuário no plano do Eng. Costa Serrão que por sua vez já o teria também ficado em relação ao que foi construído e que existe;

D. O ZH relaciona-se com a maré mais baixa do ano e determinaria a posição do muro-cais mas é preciso também planear a altura do muro-cais para a maré mais alta do ano para se evitar que nessa ocasião a água passasse para a plataforma do cais ou para o aterro para o seu interior. Assim esses muros-cais têm/teriam de ter altura suficiente para não serem submergidos pela maré mais alta do ano na posição em que foram/fossem colocados. 

E. A ideia de que o muro-cais teria de ser muito mais para dentro do estuário do que o necessário para o simples muro de suporte do aterro é confirmada e mesmo reforçada olhando-se para a planta cadastral de 1897 do Arquivo Historico Ultramarino gentilmente cedida ao HoM. Aí não está marcado o Zero Hidrográfico mas estão marcadas as linhas de profundidade de zero metros e de dez metros. Tomando como referência a linha dos dez metros "branca", marquei a preto à esquerda a posição aproximada da ponte-cais actual que segundo o artigo sobre o Eng. Albers ficou a 8.05 metros de profundidade (altura do muro dentro de água pois tem mais uns 5 metros ou mais acima de água). 
Nesta planta é muito claro que para leste = direita da Fortaleza a linha dos dez metros de profundidade desvia-se o lado inferior do desenho ou seja para dentro do estuário, efeito que se acentua em direcção do centro da enseada. Assim uma ponte-cais para respeitar os cerca de oito metros de profundidade e ser acostável para grandes navios teria de seguir essa curva mas um pouco mais para o lado da praia, de qualquer modo afastando-se significativamente da direcção da ponte-cais actual em frente à Baixa da cidade.

PLANTA de 1897 com marcas
Linha preta: ponta-cais Gorjão actual construída a cerca de 8 m de profundidade
Linha preto e branco: aprox. onde teria de estar a ponte-cais (muro-cais) frente 
à enseada da Maxaquene para ter cerca de 8 m de profundidade
Recta castanho escuro: actual posição do muro de suporte do aterro da Maxaquene, aproximadamente
Laranja claro: Fortaleza de N.S. da Conceição na Baixa da cidade

Os dados desta planta explicam porque o porto foi construído onde foi. Vemos que é para leste = nascente da Fortaleza que a linha dos dez metros de profundidade começa a desviar-se para sul e é por isso que a ponte-cais actual termina por aí pois para continuar para leste = oriente teria de penetrar muito mais no estuário do que em frente à Baixa da cidade a construção seria muito mais difícil e dispendiosa.
Revemos o mais importante do que existe na enseada da Maxaquene e arredores em foto de Mary Meader 1937 tirada de posição diferente da da FOTO 1


FOTO 2
Castanho escuro: muro de suporte do aterro da Maxaquene
Castanho claro: resto do limite do trabalho do aterro, aproximadamente
Preto (à direita): ponte-cais Gorjão
Laranja: Fortaleza de N.S. da Conceição na Baixa da cidade
Verde claro: limite da ilha original, antes dos aterros na Baixa
Amarelo: Av. da República, actual 25 de Setembro
Azul claro: água na Doca de Barcos de Pesca
Seta azul: entrada nessa doca
Um aspecto das obras do aterro da Maxaquene (aí chamado da Polana) que aconteceram de 1915 até cerca de 1920 é referido por José Capela na obra "O Movimento Operário": " ... a este veio juntar-se outro motivo de agitação na classe: o aterro da Polana. Os operários da construção civil tinham reclamado que as obras fossem dadas por administração directa, o que permitiria emprego para grande número de operários. Apesar do protesto da associação, a obra foi entregue por empreitada. Além disso - alegavam - o caderno de encargos previa o muro de alvenaria e, na adjudicação, fora decidido muro de cimento. Esta questão chegou a provocar um comício público das classes trabalhadoras, em Maio de 1915, promovido pela Associação e pela Confederação Operária.". 
Comentários básicos a isto é que os operários partiam do princípio que se fosse o Estado a fazer a obra a vida para eles seria mais fácil do que se houvesse um patrâo "a sério" e que se a obra fosse em alvenaria haveria mais trabalho a pôr massa em cada bloco do que a fazer o ferro e a cofragem e deitar lá para dentro o betão. Defendiam os seus interesses. 

NB: Num projecto de aterro normalmente parte-se da quantidade de m2 que se pretende recuperar à água e depois procura-se obtê-la de forma tal que a construção do muro de suporte e o enchimento do aterro sejam operações o mais seguras e económicas possível. Para LM seria suficiente que o aterro preenchesse a enseada pelo que o muro podia ser traçado do lado oeste a partir do alinhamento da ponte-cais Gorjão para atingir do lado leste mais ou menos a posição da praia original no extremo da enseada. Como o muro de suporte do aterro nâo serviu para ponte-cais não foi necessário considerar a posição do zero hidrográfico para escolher a sua posição.
Mas óbviamente todos estes factores hidrográficos estão relacionados e constata-se nos registos da profundidade dos mapas que para sul do zero hidrográfico a profundidade cresce rápidamente. Por isso não haveria interesse em colocar o muro de suporte do aterro muito mais para fora da enseada (dentro do estuário = sul) do que onde ficou pois a área de aterro adicional que se criaria teria um custo marginal elevado dado que o muro de suporte teria de ser feito muito mais alto. Para dentro da enseada (= para norte do zero hidrográfico) parece-me que o declive do leito da enseada seria mais ou menos gradual do estuário até à praia que em média estaria a uns 50 metros da base da barreira (nos mapas a profundidade dentro da enseada não está marcada pelo que deduzo que os números aí à vista sâo profundidades relativas ao zero hidrográfico). Noto que não sei as unidades de medida (num dos mapas parece haver 5 diferentes!) por isso a comparação é mais relativa (diferentes unidades antigas aparecem aqui num site de marinheiros, nenhuma delas parece de aplicaçâo imediata para as que estão nestes mapas).

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