Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - adaptação de FA a África (4)

O relatório escrito por Freire da Andrade (FA) e Matheus Serrano (MS) - pdf aqui - é muito interessante para quem se interesse por luso-moçambicanismos e fácil de ser lido se nos abstraimos dos detalhes geológicos que FA acrescenta por ser essa a sua especialidade e de todos os pormenores geográficos sobre rios e ribeiros. Iremos aqui chamando a atenção para os principais nas fotos, em mapas e google images mas muitos outros são mencionados no relatório. A sua parte fundamental é, como disse, sobre a actividade da comissão que decorreu em clima de boa harmonia com a da ZAR. FA aproveita também para dar informação que guie futuras expedições do mesmo tipo por exemplo no que respeita aos transportes e equipamento a usar.
O relatório acaba por ter também uma análise económica e social da região e os autores expressam opiniões sobre as politícas e opções militares que Portugal deveria seguir, nomadamente em relação a Gungunhana, tema de que falamos um pouco neste e neste artigos. Como disse aí no aspecto humano e social a linguagem usada no relatório chocará e é inaceitável mas era a corrente na altura. Ao apresentar aqui as fotos altero por isso um pouco as legendas originais, que são um ponto menor na narrativa (hics). 
No caso particular de FA ele era um europeu sofisticado a ter os primeiros contactos e experiências com a dura realidade africana do mato. FA que tinha 31 anos de idade, pertencia a famíla de nobreza antiga e tradição militar e em 1888, dois anos antes de ir para África, tinha-se especializado com mérito em Paris na prestigiada École des Mines (ver artigo em comum com Mezzena). FA tinha chegado a Moçambique pouco antes para dirigir em comissão de serviço civil a primeira "Comissão de Minas, Pedras Preciosas e Metais Nobres" que seria o relevante orgão da administração que por exemplo concederia licenças para prospecção e exploração de minas e as fiscalizaria.
Pelo decorrer do texto revela-se que FA vai aprendendo com o que vê e adaptando-se por exemplo relativamente à gestão de recursos humanos. Ele explica que era racionalmente contra a magia mas que acabou por a utilisar porque a achou eficaz (as razões que dá são interessantes e não quero tirar já o prazer a quem se der ao trabalho de ler o relatório):
Africanos do Sabié lançando o gagão (o induna com o penteado circular
 devia ser o adivinho) - ACTD web_n3993 
Mas falando de eficácia na gestão de pessoal, se o uso da magia era mais ou menos moralmente benigno, a práctica dos castigos corporais que FA acabou por adoptar ou aceitar que fosse adoptado não o era, embora ele fizesse notar que era contra os seus princípios religiosos e inicialmente criticasse o seu uso pelos sul-africanos.
Já Matheus Serrano (MS) era muito mais experiente em África do que FA pois por exemplo tinha feito parte da equipa do Major Machado que tinha estudado a directriz para a linha férrea de LM a Pretória de 1882 a 1884. Como pertencia ao quadro militar de Moçambique suponho que tivesse aí permanecido contínuamente até 1890. Um "fait divers" interessante porque a probabilidade de tal acontecer seria quase zero, foi por mero acaso e a certa fase da sua exploração individual e no mato recondito, MS ter encontrado um seu antigo empregado em LM e que entretanto tinha regressado à localidade de origem para ser régulo. 
FA reconhecia a muita experiência e paciência de MS e a sua habilidade para levar as coisas a bom porto e por isso encarregou-o da relação com os auxiliares nativos da comissão mas nota-se no relatório que a paciência de MS se foi esgotando com o tempo.
No próximo artigo voltaremos ao progresso físico da comissão no caminho de sul para norte-

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