Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - entre o Incomáti e o Uanetsi, carta de Jeppe (7)

Novos limites de fronteira entre a SAR e território Português
A carta "Petermanns Geographische Mitteilungen" ou seja "Informação Geográfica de  Petermanns" e a que para simplicar chamarei aqui de F Jeppe de 1892 foi disponibilizada pela Universidade de Illinois Esta carta é elemento fulcral para a preparação destes artigos sobre a fronteira entre Moçambique / Portugal e a ZAR /SAR/África do Sul ao longo dos montes Libombos marcada em 1890. 
Friedrich H. Jeppe de que falámos aqui era um cartógrafo da ZAR (Transvaal) nascido na Alemanha e que esteve muito activo também do lado de Moçambique tendo produzido em 1877 a planta / plano de Lourenço Marques de que falámos aqui.
No seu titulo / cabeçalho mostrado em cima é indicado que a carta foi compilada e desenhada usando as fontes mais recentes e provávelmente a principal foi a comissão bi-lateral de demarcação. Não sei se Jeppe teve acesso a publicação oficial ou a informação previligiada dos membros da comissão mas não sendo eu especialista vejo na carta pormenores como a posição e numeração dos marcos que me parecem raros em cartas comerciais. Há muitos outros detalhes que relacionam a carta com os trabalhos da comissão e que iremos perscutando neste artigo e neste sobre os campos da comissão e neste sobre caminhos seguidos posteriormente. 
Presumo que a carta de 1892 actualizasse versões anteriores. Para além de incluir a fronteira precisamente definida, Jeppe deve ter actualisado o desenho do território em volta e que era substancial porque a carta abrange 4 meridianos (de Lydenburg a oeste ao kraal de Gungunhana na altura a leste do Xai Xai) e 5 paralelos (da fronteira do Limpopo entre as actuais África do Sul e Zimbabué a norte até ao paralelo da Suazilândia - sul de Lourenço Marques). 
Pelo relativamente curto prazo entre o fim do trabalho local da comissão no final de agosto de 1890 e a publicação da carta em 1892 (ou menos se virmos que na escala se menciona ser baseada na carta de Jeppe de 1890) dá ideia que depois da comissão fazer a proposta técnica que a fronteira terá sido depois rápidamente ratificada pelos dois governos. De facto o chefe da parte portuguesa, Freire de Andrade (FA) no seu relatório dos trabalhos no terreno não assinalou desinteligências com os sul-africanos, embora como veremos aqui  acho que não deixou bem explicada a razão por não haver marcos na parte final da fronteira.. 
Como disse no artigo anterior, neste voltamos um pouco atrás para voltar percorrer a fronteira desde o rio Sabié (marco D) até ao Uanetsi (marco I), comparando os dados da carta com o texto e tabela do relatório de FA, mas falarmos doutros assuntos também:


CARTA DE 1892 COM A FRONTEIRA MARCADA
Verde: Rio Sabié, marco D
Azul: Rio Incomáti
Laranja: rio Uanetsi (sul), marco I
Castanho: linha férrea de Selati (ver aqui sobre o seu lento desenvolvimento)

Amarelo: Montes Libombos aprox.na direcção Norte - Sul
Preto: linha da fronteira, entre os marcos
Vermelho: 
Mundji (Mundgi) e Maciva, ver em baixo

Vê-se na carta que entre os rios Sabié e Uanetsi há vários outros passando através dos Libombos e que são também visíveis no google images. O rio "intermédio" que está marcado na carta como sendo Mositonade, Ndanhele ou Naxele não é referido por FA no relatório mas nessa zona (onde terão sido colocados os marcos G e H por exemplo) FA refere o Xicangane que foi atravessado pela comissão a 31 de junho. FA refere também outros (pequenos) cursos de água nesse caminho que não tinham nomes bem definidos para as populações locais, o que era natural dada a ausência de escrita e cartografia antes da colonização e da falta de interesse português por esta região de forma a se ter sistematizado essas informações. Pode ter sido por isso que Jeppe não pôs nomes na carta ao contrário do que fez para os afluentes do Sabié na África do Sul. 
Vê-se na tabela seguinte do relatório que a comissão, tendo saido do marco D do rio Sabié por volta de 17 de junho, no dia 19 de junho tinha chegado ao campo ou acampamento 7 cujas coordenadas são 25°03'56.0"S 32°01'52.5"E, posição que seria por aqui na marca vermelha do google maps e que como era de esperar fica entre o Sabié e o Uanetsi. Tendo embora de se usar com cuidado as longitudes (sempre a Leste nestes locais) vê-se deste exemplo ser possível com o google maps ir confirmando a informação da tabela e visualisar no geral os locais aí indicados:
Parte da tabela da página 156 do relatório da comissão de 1890
Voltando um pouco atrás no tempo e na actividade da comissão, diz FA na página 14 que foi no dia 14 de junho, ainda a sul da portela do Sabié que o engenheiro Elvino Mezzena (EM) e o major Caldas Xavier (CX) partiram a fim de marcar a junção desse rio com o Incomáti. Segundo FA essa junção estava indeterminada na carta que ele usava em 1890 mas podemos ver que na carta de 1892 Jeppe já a tinha clarificado (anotei-o aí com o círculo carmesim,  ver a foz do Sabié no google maps). EM e CX voltaram dessa saída a 20 de junho e por isso, olhando para a tabela terão encontrado a comissão nesse campo 7.
FA e MS estavam ausentes pois desse dia 20 de junho FA nas páginas 19 e 20 relata: "No dia 20 de junho seguimos, as duas commissões (como vimos sem EM e CX), a determinar a posição do marco F. O terreno é pouco ondulado até chegar ao marco, e com pouco arvoredo, excepto ao longo das linhas de água (que) quando se chega junto das montanhas, parecem terminar ali. O macisso dos Libombos que vem do sul bem definido, tendo de um lado a brusca descida para a lado do Transvaal e do outro as rampas suaves que vão para Lourenço Marques, divide-se ali para o norte n'uma serie de ondulações pouco bem definidas, no extremo oeste das quaes se levantam bruscamente os dois montes Mundgi e Mazziva ". 
Podemos ver que são esses os dois nomes que marquei a vermelho na carta e que aí nâo se via bem a que correspondiam. De facto quem seguisse do marco E para o F, como FA e MS faziam a 20 de junho, deveria ver os montes e como FA relata do lado sul africano (FA dis que era nessa zona do marco F que se notava a mudança de terreno em relação ao percorrido até aí vindo do sul) 
Voltando à relação entre a carta de Jeppe e a comissão, no caso destes dois nomes não sei se FA pôde mencioná-los pelo nome no relatório porque estavam já na(s) carta(s) que ele levava (nas págs. 37 e 40 refere que tinha a de Jeppe e na pág. 103 a de Jeppe mais uma do ministério da marinha que talvez cobrisse a área mais próxima de Inhambane bem como a do padre Berthoud do districto de Lourenço Marques que FA menciona c. da página 178) ou se FA indagou os nomes junto dos nativos ou dos boers e se foi a partir do relatório de FA que depois Jeppe os acrescentou ao que tinha na versão anterior. 
Esse dois montes são de novo referidos por FA a respeito da marcação do marco G e para o qual não havia um ponto de colocação que fosse óbvio: "Propozemos (para o marco G) tomar como ponto de fronteira o monte Mundgi, mas os delegados do Transvaal não quizeram acceitar essa posição pelo facto d'esse monte estar muito para oeste, e decidiu-se então que fosso collocado o marco n'aquella das ondulações mais altas, que se projectava sobre o horisonte e no meio da sua linha de cumeada, que d'ali apparecia perfeitamente horisontal.". 
Pode confirmar-se na carta que se a linha de fronteira tivesse ido para junto desses montes tinha-se desviado para oeste da directriz que trazia de Ressano Garcia e como os boers não estariam interessados em reduzir o seu território comprende-se que tenham dito "no". Noto que as duas comissões acordaram logo ao início que a lingua de trabalho seria o inglês depois de cada uma ter, suponho como seria "de rigueur", proposto que fosse a sua própria lingua.
Segundo FA, a 21 de junho a comissão atravessou a ribeira M'londos ou Monrote (que pela posição deve ser o rio Mositonade, Ndanhele ou Naxele da carta) e parou para o campo 8. O dia 22 de junho era domingo e daí de descanso rigoroso para os boers. Partiram do campo 8 a 23 de Junho e acamparam ao pé da ribeira e aldeia de Chiloluene (campo 9). No dia 24 de junho (está escrito no relatório e em linha com o que vem de trás) foram determinar a posição do marco G que vimos antes tinha sido estimada ao longe no dia 20 (mas na tabela aparece o marco G a 23 de Junho)
Infelizmente depois o relatório na página 22 é invisível. Mas na página 23 diz-se que no dia seguinte partiram para marcar o marco H pelo que no texto não se "saltou" nenhum marco. Na tabela vê-se que o marco H foi feito a 26 de junho e que a 27 de junho estabeleceram o campo 10. Vê-se pela tabela que estavam já no campo 12 no dia 29 de junho que era domingo (estavam em campos separados e Erasmus veio ao português conversar com FA) e na tabela é referida a ribeira Nunguine que não aparece nem no relatório nem na carta (parece). Segundo o relatório no dia 31 de junho partiram para norte e escolheram a posição do marco I (na tabela está a 1 de julho) junto ao rio Uanetsi e como está na carta.
A razão para na legenda original das fotos do artigo anterior ter sido adicionado "sul" a Uanetsi suponho que a razão fosse para o distinguir dum grande rio Nuanetze, Wanetze ou Manitze que é afluente a norte do rio Limpopo e que aparece na carta de Jeppe (aqui em Moçambique é chamado Nuanetsi).
No relato que aqui fiz desta parte da marcação notam-se pequenas discrepâncias entre o texto do relatório e a tabela (para mais não se percebe porque não contém todos os campos e marcos) mas como o nosso objectivo é perceber em grosso o trabalho e progresso da comissão acho que ele é atingido. Recordo que vimos aqui o período entre o marco D do Sabié erigido a 17 de Junho e o marco I do Uanetsi Sul a 31 de junho ou 1 de julho. A distância entre eles é cerca de 80 km e foram erigidos 6 marcos em cerca de 14 dias, o que dará ideia do progresso médio da comissão.
No artigo seguinte passamos para as marcações da comissão junto a um rio para norte do Uanetsi e mais importante que ele, o rio dos Elefantes (Olifants River). 

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