Pe. Sacramento, Naylor, Rufino, jornal e lotaria: Naylor no cinema e mais (7/10)

Este é o terceiro artigo desta série em que foco no australiano conhecido como Rufe NAYLOR ou NYLOR (1882–1939) e que terá sido sócio do padre Sacramento ao início da lotaria de Lourenço Marques (LM), actual Maputo. É possível que tenham sido também sócios noutros negócios se o romance histórico "O Olho de Hertzog" nesse ponto tiver respeitado os factos mas não o consigo confirmar.
Nos artigos anteriores tinha falado mais da actividade de Naylor como agenciador de apostas de corridas de cavalos e organizador de eventos desportivos em diversos países mas aqui vamos ver, repetindo é certo algo do já dito antes, outras suas ocupações quando residiu na África do Sul e por isso quando terá estado ligado ao padre Sacramento e a Moçambique.
Podemos ver Naylor nestas duas fotos já com idade um tanto avançada mas sempre jovial para as câmaras, a da direita retirada de "A History of Australian Tort Law 1901-1945" por Mark Lunney no Google Books:
à esquerda: Rufe Naylor cerca de 1931
à direita: talvez um pouco mais novo


Na wikipedia é referido que Naylor, depois de ter organizado corridas de atletismo na África do Sul em 1908 e 1909 "his business expanded to include a stadium and a cinema chain. From 1913 to 1917 he was in London managing African Theatres Trust Ltd. He subsequently returned to South Africa to run a weekly newspaper, Life, Sports and Drama (LSD) and expanded his business to Portuguese East Africa (mas não diz específicamente que para a lotaria de LM). He was elected to Johannesburg Municipal Council in 1919 and was acquitted of bribery accusations later that year", mas lembre-se tinha passado a ter cadastro em 1917 pois como disse no artigo 5 nesse ano ele tinha sido condenado a multa e depois a prisão por realizar uma lotaria ilegal. Noto que numa dessas notícias dá-se muita importância ao facto de terem sido tiradas as impressões digitais a Naylor e assumo que tal assinalasse graves problemas com a justiça pois, no sistema britânico, os cidadãos normais nem cartão de identificação precisavam de ter.
Tentemos ver esta parte da vida de Naylor mais relacionada com LM com mais detalhe. No Australian Diccionary of biography é dito sobre a sua vida na África do Sul que "He quickly established business interests including a sports stadium and a chain of picture theatres". Segundo artigo no site ESAT (vê-lo completo em baixo)  Naylor com o sócio Prechner instalou em 1910 um cinema Tivoli em Jo'burg e expandindo de seguida uma cadeia de salas em cidade limitrofes, incluindo um cinema ao ar livre no seu estádio desportivo. Ainda segundo o ESAT nessa altura Naylor foi acusado de ter excedido a capacidade num cinema o que foi resolvido pelo pagamento duma multa mas mostra que os problemas legais de Naylor não se limitavam ao sector das apostas.
Em 1911 a firma de Naylor inaugurou em Johannesburg o seu maior teatro até à altura, o Orpheum de 1 500 lugares na esquina das ruas Jeppe e Joubert e que podemos ver em postal reproduzido do espectacular site johannesburg1912. Via-se aí um cartaz destacando os "Pelissiers Follies" que era um grupo burlesco britânico pois nessa época era usual os teatros combinarem projecção de fitas com espectáculos ao vivo de teatro vaudeville, como li algures: 
Primeiro Teatro Orpheum de Jo'burg de Naylor e Prechner de 1911 

Mas o site ESAT informa que a iniciativa da construção do Orpheum em 1911 criou dificuldades financeiras à firma de Naylor forçando à sua associação nesse ano com uma concorrente dando origem à Africa's Amalgamated Theatres AAT (wikizero). Ainda segundo a wikizero, o recente magnata das propriedades, seguros e banca I.W. Schlesinger, personagem nosso bem conhecido de LM pois foi proprietário do Hotel Polana entre 1936 e c. de 1963, decidiu em 1913 entrar no negócio do espectáculo e cinemas. Adquiriu então a Naylor e sócios a AAT e juntando-lhe mais companhias de exibição e distribuição cinematográfica (ver sahistory) também compradas formou a "African Theatres and Films Trusts". 
Em relação a esta vê-se no Australian Diccionary of biography que Naylor "spent 1913-17 based in London as overseas manager of African Theatres Trust Ltd" (sumiu o "films" do nome) e podemos confirmar essa situação numa sua publicidade referindo Rufe Naylor e reproduzida de Australian Variety:  
African Theatres Trust (ATT) sediada em Londres
mas proprietária de cinemas na África do Sul

Podemos pensar que terá sido uma despromoção para Naylor ter passado de empresário a  empregado de Schlesinger mas pelo que se vê no johannesburg1912 o mercado da exibição na África do Sul entre 1910 e 1911 era muito fragmentado e Naylor não seria dos maiores proprietários de salas. De qualquer modo com a criação da "African Theatres and Films Trusts" Schlesinger tornou-se o poder dominante (ou monopolista mesmo) na importação e distribuição de filmes na África Austral pelo que Naylor terá optado pelo mais seguro, ser gerente internacional da ATT. Foi então para Londres trabalhar para Schlesinger embora o anúncio desse a entender que ele tivesse separadamente a firma "World's Variety Agency". Segundo a Australian Variety este tipo de firma servia de intermediário entre artistas individuais e em grupos de um lado e os empresários das salas do outro, pelo que deveria ser Naylor pessoalmente a contratar artistas e grupos em exclusivo para as salas de Schlesinger e provávelmente para as de outros proprietários pelo mundo fora. 
No campo da produção cinematográfica, o primeiro filme de ficção da África do Sul (mudo e com duração de 15 minutos), chamado "The Great Kimberley Diamond Robbery" ou "The Star of the South" (aqui referido no Imdb) foi realizado em 1911 por RCE Nissen e estreado num dos cinemas de Naylor, quando este era ainda exibidor independente. Há aqui informação dizendo que Nissen trabalhava para Naylor, pelo que é possivel que o crédito da produção desse filme pioneiro que oficialmente é dado à Springbok Film Co. lhe seja devido.
Continuando com o Australian Diccionary of biography sobre o tempo de Naylor posterior à estadia em Londres trabalhando para a ATT até 1917: "Returning to Johannesburg he founded a weekly newspaper, L.S.D., Life, Sport and Drama (não encontro nada sobre este elemento) and extended his gambling interests with casinos and a lottery in Lourenço Marques, Portuguese East Africa (Mozambique), running a special Friday night train, 'the Rufe Naylor Express' (o que é também referido por MacDonald como vimos no artigo 6) for his Johannesburg patrons" (clientes). Na África do Sul e presumo que em paralelo com a actividade em Moçambique "He also kept a string of racehorses, and opened several proprietary racecourses after a bitter fight with the Jockey Club of South Africa. In 1919 he was elected to the Johannesburg Municipal Council and that year was acquitted of charges of bribery".
Falemos agora do que se passou após o regresso de Naylor à Australia em 1925 depois de ter estado em Ceilão (Sri Lanka) e na Índia. Apesar de continuar ligado às apostas, tal como na África do Sul continuou activo no campo das salas de espectáculo tendo sido lider da sociedade que em 1927 construiu um grande teatro para musicais em Sidney, o Empire Theatre. Pode ver-se aqui que planeava até expandir para Melbourne: "The sites .. were purchased by Rufe Naylor's Empire Theatres Ltd of Sydney with the goal of building a 'live' theatre sister to his Empire in Quay Street, Sydney". Podemos ainda ver resquícios da actividade de Naylor como produtor de teatro na Austrália na experiência da aspirante a actriz Essalie Branson (cuja carreira não deixou grande marca).  
Mas vê-se aqui que em 1930, no meio da grande depressão económica mundial, da mudança da preferência do público do teatro para os filmes e de ter dificuldades em aceder à produção dos melhores estúdios, Naylor estava em dificuldades. Parece ter sido um padrão na sua vida, ser um actor marginal na indústria e sofrer alternância de períodos de glória e de desgraça. Por isso ou por gosto de enfrentar as autoridades, como dissemos, em 1917 não tinha sido capaz de pagar uma multa na África do Sul e tinha sido encarcerado durante 5 meses quando ainda nesse ano tinha tido uma posição de destaque em Londres. E diz a wikipedia que em 1930 Naylor entrou num golpe para vender bilhetes de lotaria mas não especifica como foi (seria esse jogo também proibido na Australia?). Em 1934 Naylor candidatou-se a deputado federal certamente tentando beneficiar da aura de ser um injustiçado pelo "sistema" ("battle against the establishment made him a minor hero among the working classes") mas sem sucesso.
Na página do jornal Sidney Morning Herald que vemos a seguir aparecia mais uma foto jovial de Naylor e mais uma notícia aparentemente pouco positiva sobre ele, na secção sobre corridas de cavalos (não se consegue ver o conteúdo sem pagar):
Esquemas para Rufe Naylor se tornar rico depressa, como seria?

Curiosamente do lado direito está foto do "Winooka", o cavalo n. 1 da Australia a que curiosamente Naylor esteve associado. Diz-se aqui numas memórias dum profissional do "turf" que Rufe Naylor em 1900 era "satchel swinger" (coloqualismo australiano para "bookmaker")  e tinha depois (mas seria uns 30 anos depois) levado um cavalo para correr nos Estados Unidos, o Winooka:... "At the Blandford meeting, I remember three satchel swingers, ... Rufe Naylor, who later took Winooka to America for a racing season ..". Isso confirma-se aqui"Mr. Rufus Naylor, one of the most familiar figures on the metropolitan racecources, has undertaken the management of the trip to America with the racehorse. Winooka, and in an interview last night disclosed the fact that an offer had been mailed to the Victorian foot-runner, Austin Robertson, recognised as the outstanding sprinter In Australia, to accompany the party". Quer dizer Naylor, para além dos cavalos ainda não tinha abandonado o gosto pela organização de corridas de atletismo como tinha feito uns 30 anos antes ..
Podemos ver aqui o impressionante Winooka em postal à venda no e-bay
WINOOKA - USA & Australia 1930s racehorse

Mas como dissemos no artigo anterior essa notícia e a entrevista a Naylor mostravam que a digressão com o cavalo não estava muito bem preparada e que Naylor contava demasiado com os seus conhecimentos das corridas na América de 30 anos antes, o que me parece um tanto lunático. 
Assim Naylor terá feito umas vezes bons e outras vezes maus julgamentos sobre negócios mas devia ser um optimista. Com o seu conhecimento das fraquezas humanas e a iniciativa, ambição e descaramento pessoal (a chamada "lata") que não lhe deviam faltar, poucos anos depois dá o nome a uma firma de investimento (em quê?) que estava a emitir acções:
Rufe Naylor Investments na Nova Gales do Sul (Sidney), Austrália

Foi precisamente nesse ano de 1939, como se pode ver aquique Naylor súbitamente faleceu de ataque de coração. Outro jornal de 25.9.1939 também dá a notícia mas contráriamente ao que temos visto retrata-o mais favorávelmente chamando-lhe "prominent sportsman for many years".
Em resumo, Rupert (Rufe ou Rufus) Naylor, nasceu em 1882 na Austrália, a partir dos 12 anos de idade trabalhou como mineiro e com 17 anos era corrector de apostas. Em 1906 promoveu acontecimentos desportivos profissionais tendo em 1908 levado atletas à África  do Sul e ter-se-à lá estabelecido. Criou aí um estádio desportivo e uma cadeia de cinemas. De 1913 a 1917 esteve em Inglaterra. Em 1917 regressou à África do Sul lançou uma revista sobre espectáculos, construiu circuitos para corrida de cavalos e mais tarde entrou na política. Em paralelo criou em LM um casino e a lotaria que tentaram atrair clientes sul-africanos. Em 1919 deixou a África Austral tendo estado no Ceilão e na Índia e regressou em 1925 à Austrália onde faleceu em 1939.
Concluo o tema acrescentando que Naylor teve uma filha Vera Ruth Naylor (1906-2007), informação aqui também de que passou a Martineau por casamento e teve um filho juiz, que terá então nascido quando o pai não tinha ainda saído da Austrália para o RU e seguido depois para a África do Sul onde permaneceu durante uns 10 anos durante parte dos quais esteve ligado a Moçambique.
NB 1: A Australian Variety dá mais detalhe sobre a criação e evoluçâo da African Thatres Trust: "Isidore William Schlesinger established the African Theatres Trust (later African Consolidated Theatres) in 1913 after buying out the ailing Empire Theatres Company, absorbing Amalgamated Theatres and the Palladium Company, and merging with two film distribution companies. Left with almost no competition the firm subsequently dominated South Africa’s entertainment industry.  Both J. C. Williamson’s and Fuller’s Theatres had connections with the company. Sole international bookings were initially through Rufe Naylor’s World’s Variety Agency, with the Australian representative being P. Tinker (Melbourne). African Consolidated Theatres was acquired by 20th Century Fox in 1956."
NB 2: Como vimos em cima entre 1910 e 1911 Naylor tinha uma cadeia de salas de cinema que entre 1911 e 1913 se juntou a outra e não sei que ocupação terá ele tido nesse período até se ter mudado, ainda em 1913, para Londres. Poderia ter sido esse o período em que segundo o "O Olho de Hertzog" Naylor e o padre Sacramento teriam organizado as corridas e os combates de boxe que por fraude terminaram em problemas com os apostadores e a polícia. Coloco de novo a questão: será essa parte do livro fantasia ou não? Será plausível que quem tinha sido dono de salas de cinema pouco tempo antes tivesse tão rápidamente "descido tão baixo"? Sofreria Naylor de "atracção pelo abismo"? Sofreria o padre da mesma doença? Questões que acho só uma pesquisa capaz sobre essa época poderia responder.
NB 3: Cerca de 1918 a empresa African Theatres estava associada ao Teatro Varietá de LM, se ela seria a proprietária (depois dos iniciais terem sido outros), se o geria ou se era só a fornecedora de filmes em exibição não sei. 
NB 4: No site Encyclopaedia of South African Theatre, Film, Media and Performance (ESAT) está informação bastante completa sobre Naylor e suas empresas, da qual as partes mais importantes integrei nos textos anteriores. Este texto menciona com certa desenvoltura os seus problemas com as autoridades, situação que como disse antes ele parecia testar / encarar sem grande constrangimento / preocupação:
"Rufe Naylor born Chippendale, Sydney, 14/08/1882 – deceased Randwick, Sydney, 25/09/1939. Theatre owner, sports promoter, entrepreneur, gambler. Though Australian-born Rupert (Rufus/Rufe) Theodore Naylor had little formal education, this did not inhibit his entrepreneurial spirit. By the age of 17 he was a professional bookmaker, promoting sporting contests in Queensland and Western Australia. When he came to South Africa in 1908, he brought a number of Australian athletes with him and staged races between them and local runners. Not long after his arrival he opened a stadium where these contests took place, with heavy betting on their outcome.
Keen to branch out, in February 1910 he and Mark Prechner launched the first of their Tivoli picture palaces in central Johannesburg, alternating film shows with the usual selection of vaudeville acts. A 600-seater, its success resulted in the opening of additional Tivoli theatres in Boksburg, Germiston and Pretoria, and even an open-air cinema in his sports stadium on Main Street. Within a year the Tivoli Company was well established and Naylor decided to embark on the building of a ‘super-picture palace’. This was to be the 1500-seater Orpheum, on the corner of Jeppe and Joubert Streets. Unfortunately in this case he had underestimated the financial outlay and he and Prechner were forced into negotiations with the Union Bioscope Company, which owned the Vaudette chain of theatres. Towards the end of 1911 the two companies combined to form Africa’s Amalgamated Theatres.
The Orpheum opened on 1 December 1911 and the following week it and the Tivoli showed the first South African-produced ‘feature’, The Great Kimberley Diamond Robbery, produced by the Springbok Film Co. It was filmed and directed by R.C.E. Nissen, a cameraman who had been working on ‘local scenes’ that were screened as supporting material in the new movie houses. They were the precursors of African Mirror, the newsreel that was launched when, in July 1913, the now financially struggling A.A.T. was taken over by I.W. Schlesinger’s African Theatres Trust. Though in her book Thelma Gutsche suggests that the Springbok Film Co. was an overseas company, it was actually financed by Naylor, who presumably regarded a locally produced film as an ideal way to launch the Orpheum. After the amalgamation with A.T.T., Naylor became the overseas manager of the new company’s interests and left for London, returning to South Africa in 1917.
Back in Johannesburg he started a weekly newspaper called Life, Sport & Drama (L.S.D.) and also opened a casino in Lourenço Marques (now Maputo), running a train service between the two cities for his eager customers. During his first sojourn (na África do Sul) he had had minor altercations with the law, having been accused of overcrowding his theatres and being sentenced to pay a small fine, but on this occasion one of his enterprises resulted in him being charged with bribery and corruption. A split jury resulted in him being acquitted and, for a few months, he even served as a member of the Johannesburg Town Council. In this capacity he showed strong support for Norman H. Lee’s new School of Cinema Acting, which opened in June 1919. During this time he was also involved in an ongoing dispute with the Jockey Club of South Africa, which culminated in him opening his own racecourses. By the time a warrant for his arrest on charges of perjury and the contravention of the Lottery Law was issued, he had left the country.
After leaving South Africa, he is said to have gone to India and, in 1925, returned to Australia. Besides continuing his interests as a sports promoter, he also built Sydney’s prestigious Empire Theatre, at that time the largest in the country.
As in South Africa, he was flexible as far as the legalities of business were concerned, prompting regular investigations into his bookmaking activities, selling ‘shares’ in lottery tickets, running a gambling club, etc. A dynamic personality, he also stood (and lost) as an independent candidate for a seat in Australia’s Federal Parliament and throughout his legal battles presented himself as the champion of the common man. He was eventually disqualified from attending all registered racecourses and died not long afterwards. (FO)".

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