Missão Suíça em Ricatla: primeira casa e acontecimentos de 1894/95

Depois de termos falado muito sobre as instalações da Missão Suíça, actual Igreja Presbiteriana de Moçambique, noutros locais do sul de Moçambique (aqui na ponta mais a sul) vamos numa série de artigos falar sobre a sua estação de Ricatla (ou Rikatla).
Como foi dito aqui esta igreja surgiu em Moçambique em 1887 e Eduardo de Noronha (EN) em "O districto de Lourenço Marques e a África do Sulrefere que desde 1889 a sua estação missionária de Ricatla estava em funcionamento (embora aqui S2A3 se diga que ela tinha sido criada por Paul Berthoud em 1887) sendo o seu estado em 1894 o seguinte: "Em Rikatla, uma collina entre o commando militar de Anguane e o vau do Marracuene, há uma soffrivel casa de habitação de madeira e zinco, com um razoavel observatório meteorológico, e em volta algumas dezenas de palhotas, que formam o núcleo importante de uma povoação. Ahi vive um dos missionários suissos com sua esposa, alguns serviçaes dedicados e grande quantidade de proselytos".  
E em 1898 escreveu António Enes (AE) em "A Guerra d'Africa em 1895": "Quando rebentou a revolta da Magaia, em agosto de 1894, as missões suissas tinham quatro estabelecimentos de propaganda religiosa, ao mesmo tempo casas de educação, no nosso território d' Africa oriental: um na cidade de Lourenço Marques (actual Maputo), outro nas proximidades do Marraquene (em Rikatla), o terceiro na Cossine perto de Magude, e o mais internado em Gaza, junto da residência do Gungunhana". E ainda segundo António Enes referindo-se a 1894: "A casa de Rikatla foi destruída, parece que por gente da Magaia, e a de Lourenço Marques ficou deserta".
O site da USC mostra três fotos precisamente de 1894 duma casa de madeira e zinco em Ricatla e nas legendas é dito ter sido construida em 1893 e que foi incendiada no final de 1894, pelo que se trata certamente da casa a que EN e AE se referem. As fotos foram tiradas pelo missionário Paul Berthoud, um dos pioneiros da missão em Moçambique.
Mission house, Ricatla, Mozambique, vista de NW em 1894  USC

A legenda da foto de cima é: "Rikatla [Ricatla]. - Mission house, view from northwest - 1894". Photograph of the mission house in Ricatla. On the porch of the building, Swiss missionaries. In front of the house, African people". Os missionários estão à sombra na varanda à esquerda e não se conseguem reconhecer, nomeadamente se incluiriam Henri Alexandre e Émilie Junod, os residentes nessa época, de quem falaremos em detalhe depois.
Outra foto semelhante mas mais centrada:
Mission house, Ricatla, Mozambique, 1894 USC

A legenda dá a mesma informação que a da primeira foto:  "Photograph of the mission house in Ricatla. On the porch of the building, Swiss missionaries. On the right, in front of the house, African people".
Outra foto da mesma casa tirada um pouco mais para a direita:
Mission house, Ricatla, Mozambique, 1894  USC

A legenda desta terceira foto é a que informa que esta casa só existiu entre 1893 e 1894: "Mission house built by Mr Junod in 1893 & burnt down on December 19, 1894) Photograph of the mission house in Ricatla. On the porch of the building, Swiss missionaries. On the left, in front of the house, African people". 
Pelas fotos no site da USC sobre Ricatla parece-me que esta casa não foi reconstruida depois da crise social - político - militar na zona se ter acalmado para o fim de 1895 e quando os missionários terão lá voltado, o que não sei quando terá acontecido. Noto que a casa seguinte para missionários em Ricatla que nos aparece nas fotos só foi construída em 1906/1907 e dela falamos aqui.
Sobre os acontecimentos de 1894, e voltando às minhas críticas a certos "académicos" vejamos o que diz o brasileiro Denilson LESSA DOS SANTOS num estudo chamado "Conhecer para catequisar e dominar: colonialismo, visões sobre o outro e missões católicas. Moçambique (1885-1940)"Descrevendo o que se passou em Outubro de 1894 durante a já referida revolta ronga a respeito da missão católica nos arredores de Lourenço Marques e tal como já dissemos aqui e aqui: "Na manhã de domingo os “rebeldes” atacaram a sede da missão de São José de L´hanguene, destruíram o altar, “multilaram os santos, derrubaram os crucifixos e teriam queimado a capella se não fossem repellidos”. 
E Denilson analisa e comenta a seguir esses acontecimentos: "O fato ocorrido denota que àquela gente, de alguma forma, enxergava a igreja católica como símbolo do governo colonial português. As imagens dos santos católicos, a exemplo do padroeiro da missão São José, foram simbolicamente mutilados e destroçados. Além dos santos, os crucifixos foram derrubados, fato este que sugere uma consciência dos “rebeldes” frente ao regime e tudo o que representava a presença da cruz, portanto da igreja católica, naquelas terras. (SILVA, 2001)". 
Quanto ao que "denota ... de alguma forma" este acontecimento a Denilson (ou teria sido a Teresa Cruz SILVA que ele cita), eu gostava da saber o que lhe "denotaria" o facto da casa de Rikatla da Missão Luterana SuÍça que vimos em cima ter sido queimada pela mesma rebelião uns 2.5 meses depois. É que se os missionários católicos estavam associados ao regime colonial português, é comum ser dito que os suiços representavam o "respeito pela identidade e autonomia africanas" e no fim de contas aconteceu o mesmo nos dois casos às suas instalações. Resumindo, mais uma brilhante teoria académica e com a simbologia "de rigueur" mas que é invalidada pelos simples factos. Não sei o que se passa com estes cientistas que deviam ser exemplo da lógica aristotélica (ou não?).

Comentários