Missão Suíça em Ricatla: H A Junod aí e noutros locais (3/5)

Concluindo aqui o resumo da biografia de Henri Alexandre (H A) Junod em que inicialmente focamos na sua presença em Moçambique, especialmente em Ricatla, mas que continuearemos a seguir depois do seu regreeso definitivo à Europa.
Nos artigos anteriores (aqui e aqui) tinhamos dito que em 1904 H A Junod tinha casado em segundas núpcias com Hélène Junod tendo com ela de seguida iniciado a sua terceira e penúltima estadia em África que decorreu de junho de 1904 a julho de 1909 (datas que parecem ser das presenças nos continentes de África e da Europa, os tempos de viagens marítimas entre eles estarão nos intervalos)
Começamos com mais uma foto do casal presumo que nesse período e é certo que em Ricatla:
Henri Alexandre Junod and his wife in Ricatla, Mozambique, ca. 1896-1911 USC

Passamos agora para um objecto curioso dessa época que apareceu à venda no site delcampe.net  e de que reproduzo aqui a digitalização :
Carta postal manuscrita por H A Junod em 1909

Percebe-se mal os detalhes mas nesta correspondência H A Junod trata duma coleção de coleópteros, a classe de insectos a que pertencem os besouros e joaninhas. Esta mensagem foi escrita em 16 de abril de 1909 e ele diz que estará em Ricatla até 27 de maio e depois regressaria à Europa, de facto correspondendo ao final da terceira estadia que terminou em julho de 1909.
Os Junod voltam então à Suíça e H A inicia a escrita da sua obra mais importante «The Life of a South African Tribe» cujo primeiro volume é lançado em 1911 e o segundo em 1912. Antes disso, em novembro de 1910 H A Junod tinha publicado o romance Zidji.
Mas em 1913 os Junod partem de novo para África deixando os seus três filhos na Europa com famílias ou em escolas. Regressa então a Ricatla em julho de 1913 e no contexto internacional em 1914 começa na Europa a primeira Grande Guerra. H A Junod por essa altura compra e desenvolve um terreno chamado do "Lebombo" para permitr aos nativos manter os seus campos agrícolas e estabilizar a população quando os brancos tentavam ocupar as suas terras.
Nem tudo tinha sido fácil nas missões como seria de imaginar: "Na Escola de Evangelistas, detalhes materiais aos poucos vão provocando descontentamento entre os alunos. Seguiu-se uma crise bastante séria, uma espécie de conflito entre o dever moral dos alunos e seu esprit de corps. Henri Junod então mostrou o profundo conhecimento que tinha do coração humano. ... Com incansável paciência, ele deixou os demandantes falarem, depois mostrou-lhes a pobreza de seus argumentos. Tudo acaba bem. E a escola recomeçou. A autoridade de seu diretor foi aumentada".
Interessante também ver a sua posição sobre as posições que começavam a surgir na África do Sul na missão escocessa, com os religiosos nativos reivindicando "estamos prontos, podem partir" e os europeis dizendo "não, ainda falta muito, esperem".
Mas a vida em África era perigosa para a saúde e Hélène veio a falecer em LM a 30 de março de 1917 deixando um filho com cerca de 3 anos. Nessa altura a filha de H A Junod e de Émilie, Anne-Marie decide vir para África acompanhar o pai e ajudar o meio-irmão em Ricatla, curiosamente no local onde ela tinha nascido mas onde pouco tempo tinha vivido.
A escola pastoral de Ricatla foi inaugurada em setembro de 1917 (no site S2A3 descrevem-na como "school for the training of Bantu clergy at Rikatla"). H A Junod regressa definitivamente à vida religiosa na Europa em 1920 mas continua a ocupar-se publicações científicas sobre antropologia e a natureza e de assuntos africanos e dos direitos dos povos nativos. 
Nessa altura os caminhos de H A Junod e de Alfredo Freire de Andrade (FA), o militar e engenheiro de minas, que presumo se tenham cruzado em Moçambique logo em 1890 voltam a encontrar-se na Suíça. Seguro é que se encontram em 1895 quando FA estava de novo em Moçambique começando por ser chefe de gabinete do Comissário-Régio António Enes e depois como um dos chefes militares na campanha de Gaza. NGramática Ronga publicada por H A Junod em 1896 sob os auspícios do governo português ele faz uma evocação especial a FA referindo o paralelismo entre por um lado a linguística e a etnografia (as suas áreas de interesse) e por outro a geologia (a especialidade de FA) no conhecimento do passado (ver texto completo ao fundo). 
Também na biografia de H A Junod e como dissemos aqui a propósito duma visita de FA já como Governador Geral de Moçambique a Ricatla aparecem palavras elogiosas sobre FA "um homem muito culto e astuto ... inteligente, cujo interesse pela ciência era real". FA foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal em 1914 e depois representante de Portugal "na Conferência de Paz (1918-1919) e na Sociedade das Nações (1920-1921)". A Sociedade das Naçõespredecessora das Nações Unidas, foi criada em Paris em 1919 mas a sua sede foi transferida para Genebra em Novembro de 1920 pelo que FA e Junod se voltaram a encontrar aí, muito longe de África (curiosamente vê-se aqui casa duma senhora Freire de Andrade em Genebra). 
Aparece então na biografia de H A Junod o seguinte: "À cette époque, en 1922 .. il retrouva son ami, M. A. Freire d'Andrade, délégué du Portugal à la Société des Nations. Celui-ci témoigna à Henri Junod sa réelle amitié et son estime, en venant souvent dans la vieille maison de Grange-Canal, surtout quand fut publié le fameux rapport de l'Américain Ross, sur le travail forcé dans les colonies portugaises. Le vieil administrateur colonial et l'ancien missionnaire s'efforcèrent d'atténuer l'impression extrêmement fâcheuse produite par ce rapport. Ils avaient sans doute des idées bien différentes et des buts aussi différents: Henri Junod avait connu dans les détails le problème indigène dans les colonies, et le but de M. Freire d'Andrade était avant tout de modifier l'impression dans les milieux politiques. Mais tout en restant dans la vérité, Henri Junod savait aussi comprendre et soutenir le Portugal. Il s'efforça toujours de faire abolir le système du « chibalou » ou travail forcé. Mais, ceci dit, il s'efforça aussi de faire comprendre à Genève les droits imprescriptibles du Portugal sur ses colonies. Il suivit avec un grand intérêt le fonctionnement de la Commission des Mandats et me disait souvent que le simple fait de son existence et de ses droits de contrôle créait peu à peu une mentalité toute différente en matière coloniale". 
Resumindo, embora H A Junod e Alfredo Freire de Andrade tivessem posições diferentes, Junod mais uma vez se revelou moderado como tinha acontecido durante a crise de 1895 e durante o diálogo entre António Enes e o Dr. Liengme a propósito dos conselhos a dar por este a Gungunhana de que falaremos separadamente.
No próximo artigo concluiremos o resumo da biografia de Junod essencialmente no que respeita à sua ligação a Moçambique que vimos aqui fazendo. Falaremos mais da sua vida na Suíça nos anos 20 e até ao seu falecimento em 1934 e finalizando pelo local em Ricatla onde as suas cinzas fúnebres foram colocadas.

NB 1: A evocação especial de H A Junod a FA na Gramática Ronga de 1896 é a seguinte: "Sr. Capitão: Você é um soldado e liderou hábilmente campanhas militares. Mas também é geólogo e durante as suas viagens nesta região encontrou rochas que lhe têm permitido reconstruir a história antiga e ainda desconhecida deste país. As pesquisas linguísticas assemelham-se, em mais de um sentido, as do paleontólogo (cientista que estuda os fósseis). Se as revoluções cósmicas dos tempos passados ainda podem ser adivinhadas hoje pelo estudo das rochas, a história do homem e das suas migrações é revelada a quem investiga as línguas e tradições dos povos antigos (primitivos). Permita-me, portanto, no início deste livro, associar o seu nome ao do Comissário (António Enes) para lhe agradecer pelo interesse que sempre tão gentilmente demonstrou por nós. Que esta gramática, como seus estudos geológicos, forneça para a ciência alguma luz sobre o passado deste território e possa ser acolhida com simpatia por aqueles que amam as línguas eminentemente pitorescas, ingénuas e ricas dos povos Bantu".
Num aparte, lendo o que H A Junod escreveu em cima e que faz absoluto sentido e sendo ele reconhecido pelas autoridades moçambicanas, tanto é que foi dado depois da independência o seu nome a uma rua de Maputo junto à antiga Missão Suíça, devia ser estranho que o nome de FA como cientista (que em 1894 publicou o pioneiro Reconhecimento geológico dos territórios portuguezes comprehendidos entre Lourenço Marques e o Rio Zambeze) tenha sido obliterado por essas autoridades das ruas da cidade e do museu geológico de Moçambique. Mas óbviamente tal não mudará o facto de Alfredo Freire de Andrade ter sido o primeiro profissional de relevo em Moçambique nesse ramo das ciências.
Sumário da publicação de Alfredo Freire de Andrade (persee)

Alfredo Freire de Andrade foi depois funcionário da Companhia de Moçambique e publicou nessa qualidade em 1899 "Região aurifera de Manica: relatório". Curiosamente Carlos Freire de Andrade, filho de Alfredo, sendo civil foi também Engenheiro de Minas e geólogo e interessado no Ultramar português e publicou em 1929 o Esbôço geológico da provincia de Moçambique.
NB 2: o missionário suíço Paul Berthoud estava também interessado em geologia embora certamente não tivesse a formação cientifica de FA. Diz o site S2A3 sobre Paul Berthoud; "His first contribution to science consisted of observations on the geography and geology of southern Africa. These observations were extracted from his letters and published by E. Renevier as "Remarques geographiques et geologiques sur le Sud de l'Afrique" in the Bulletin de la Societe des Sciences Naturelles (Lausanne, 1874-1875). 

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