Missão Suíça em Ricatla: H A Junod aí e noutros locais (1/5)

Henri Alexandre Junod (1863 - 1934) foi dos missionários suiços com mais destaque em Moçambique entre o final do século XIX (19) e o início do século XX (20) nomeadamente devido às actividades extra religiosas em que esteve envolvido.
Podemos ver na sua biografia escrita por seu filho Henri-Phiippe Junod chamada "Henri-A. Junod, Missionnaire et Savant, 1863-1934" que Henri Alexandre (H A) Junod teve quatro estadias em África: a primeira de julho de 1889 a junho de 1896, a segunda de maio de 1899 a abril de 1903, a terceira de junho de 1904 a julho de 1909 e a quarta de junho de 1913 a outubro de 1920. Como veremos a presença de H A Junod em Moçambique passou-se primoldialmente em Ricatla e por isso as muitas fotos dessa estação missionária que a USC nos disponibiliza e que são de 1906 a 1908 permitem seguir bem esse texto relativamente à sua terceira estadia. 
Segundo a biografia, que integra páginas do seu diário, pouco depois da chegada a Lourenço Marques (LM) em 29.6.1889, H A e a sua primeira esposa Émilie Junod seguiram para Ricatla, a estação da missão que temos visto nesta série e cuja localização tinha sido escolhida por Paul Berthoud (1847 - 1930) na sua primeira visita a Moçambique em 1884 e que o mesmo tinha fundado em 1887 e que fica a 25 km de distância a norte da cidade: "Em menos de dois meses, a febre já havia atingido os dois. A solidão do mato os envolveu, as canções selvagens, na noite africana, os envolveram"
O estudo da língua ocupa H A Junod nesse período que descreve assim: “Continuo a estudar a língua com o Matsivi (Reverendo Calvin Mapopé - ver aqui ao fundo também escrito Maphophe) cuja boa vontade é grande. Inicialmente ouvia o professor com ar submisso, escrevendo o ditado e tentando entender as construções e formas por minha conta, porque não se deve pedir explicações gramaticais a um nativo. Ele conhece sua língua, mas não tem idéia das regras que segue tão bem. Por mais ignorante que eu fosse em gouamba (thonga), fui capaz de ensinar a Matsivi muitas coisas sobre sua própria língua. Foi assim que aprendeu o futuro conhecedor do (povo) africano e da sua língua". 
O clima em Ricatla "não deu trégua aos novos missionários" (na altura ainda não se sabia bem a causa da malária e pensava-se que vinha dos maus cheiros dos pântanos) e no início de 1890, Émilie Junod estava tão doente que foram passar algum tempo no Natal. Em junho de 1891 nasce a primeira filha do casal, Anne-Marie. Em dezembro desse ano Émilie fica de novo doente e muito fraca mas Junod, estóico, considera que são "designios do Senhor". Em 1893 H A Junod assume a direcção da escola de evangelistas em Ricatla que tinha sido transferida de Shilovane (Shiluwane) no Transvaal segundo o site S2A3. Falece um filho do casal que tinha acabado de nascer.
Como dissemos antes, em março de 1894 Junod partiu para LM onde foi substituir Paul Berthoud, que era seu cunhado pois era casado em segundas núpcias com Ruth a irmã de Junod (que veio a falecer em 1901). Esse casal partia nessa altura para a Europa e levou com eles jovem a sobrinha Anne-Marie Junod.
Poucos meses depois começa a revolta ronga chefiada por Matibejena (chefe do Zixaxa) e Mahazule (chefe da Magaia) contra a autoridade portuguesa e cuja cronologia está aqui. Esse período está assim descrito na biografia: "Seguiu-se a guerra de Mahazule. As operações militares afactaram as imediações da cidade, de modo que os missionários enviaram a suas esposas para o Natal. Rikatla foi queimado. Pode-se imaginar o quanto essa notícia afetou H.A. Junod. Foi uma grande dor para todos os membros da Missão. Às doenças somavam-se as dificuldades trazidas pela guerra, foi um período extremamente difícil. A posição dos missionários era muito delicada, esforçaram-se por fazer os nativos rebeldes submeterem-se às autoridades mas o esforço falhou. Lois, a cristã mais desperta ... faleceu. Mas a Igreja fortalecia-se pois as provações estimulam as almas". 
Continuando com a biografia: "Em janeiro (de 1896 tinha sido ordenada pelas autoridades portuguesas) a expulsão dos missionários mas, graças a uma intervenção do Conselho da Missão em Lisboa, esta decisão foi revogada.".
O regresso da família de Junod à Europa dá-se em 1896 e cedo falece aí outra filha do casal, Elizabeth, que tinha nascido em Moçambique em 1895. Inicia-se então para H A Junod em 1896 uma estada na Suíça que durou quatro anos e logo nesse ano surge a Gramática Ronga que H A Junod tinha começado a preparar em Moçambique "um volume de 300 páginas, precedida de uma introdução etnográfica e seguida de alguns contos ronga com sua tradução francesa" - ver imagem e texto relativos em baixo.
Prosseguindo com o texto da biografia, durante o periodo passado na SuÍça: "Em 1897 apareceu um volume encantador intitulado: "As Canções e Contos do Ba-Ronga" contendo várias observações sobre o clã Ba-Ronga, sobre os instrumentos musicais e o sistema musical, sobre as várias canções da tribo; depois, um conjunto de contos, folclore com animais, a sabedoria das crianças, contos de ogros, contos morais e contos estrangeiros. Em 1898 H A Junod publicou um "grande volume intitulado “The Ba-Ronga”, um estudo etnográfico sobre os indígenas da Baía de Delagoa: costumes, direito consuetudinário, vida nacional, indústria, tradições, superstições e religião".
Sobre os missionários suíços e H A Junod específicamente eis a apreciação de António Enes, comissário-régio em Moçambique em 1895 no seu relato posterior "A Guerra d'África": "...homens de incontestável valor intellectual, variada instrucção e activíssimo zelo. Mr. Junod, que encontrei em Lourenço Marques, é um philologo distincto, que em curto período se familiarisou com o ronga, linguagem dos indígenas, a ponto de não só lhe devassar a intima estructura, senão de o falar correntemente. Catechisava em ronga, e escreveu uma grammatica e um vocabulário do ronga, que eu fiz publicar. Da missão por elle dirigida saiam regularmente boletins das únicas observações meteorológicas, com caracter scientifico, que se faziam na província inteira, e saiam também para a Suissa preciosas collecções entomologicas, organisadas com muito saber e muita paciência" (os trabalhos cientificos sobre fauna e flora de H A Junod são descritos em detalhe no site S2A3). Recíprocamente pode-se ver aqui na Gramática Ronga de H A Junod o seu agradecimento a António Enes.
A partir de 1896 H A Junod prosseguiu ainda na Suíça a tradução da Bíblia até que voltou a África na primavera de 1899 para fundar (transferindo a de Ricatla de volta à origem segundo o S2A3) uma escola de evangelistas em Shilouvane (Shiluwane) na África do Sul, onde decorreu a totalidade da sua segunda estadia em África. É aí que em Julho de 1901 falece por doença Émilie Biolley, a primeira esposa de H A Junod tendo por isso o primeiro filho do casal Henri-Philippe ido depois viver para a Europa.
H A Junod volta em abril de 1903 à Europa e em março de 1904 casa-se com Hélène Kern - de Schulthess também missionária luterana e o novo casal vai para África em junho de 1904 ficando colocado na África do Sul de novo em Shilouvane. Em 1907 foi decidido transferir a escola de evangelistas de Shilouvane para Ricatla no "Litoral" quer dizer em Moçambique e entramos a partir daí na fase de Ricatla de que temos mais imagens no site da USC: "Henri e Hélène Junod permaneceram primeiro em Tembé, com M. Paul Berthoud, enquanto aguardavam as obras realizadas para a conclusão da Escola de Evangelistas de Rikatla (realizadas) de abril a setembro de 1907 (periodo em que presumo a casa dos missionários foi também edificada como se viu aqui). A inauguração da nova escola (de Evangelistas) ocorreu no dia 17 de novembro. Foi uma bela festa, com a presença de todos os missionários do Litoral. Dez alunos estavam inscritos. O primeiro trimestre foi o de organização dos trabalhos". 
Passando para o ano seguinte. "A 31 de julho de 1908, nasceu em Lourenço Marques Blaise Edouard Junod. ...O período que se seguiu foi repleto de discussões sobre os programas escolares. O governo português começava a elaborar um conjunto de leis sobre o assunto. E foi com grande dificuldade que os missionários conseguiram fazer com que o uso da língua nativa fosse tolerado nos três primeiros anos de escola. No momento, infelizmente! estas concessões já nem existem, e pode-se perguntar se algum dia os nossos amigos portugueses voltarão a uma concepção mais saudável das coisas".
Miss Schlub, que se tornou depois a terceira esposa de Paul Berthoud dado que a sua segunda esposa, Ruth a irmã de H A Junod falecera em 1901, resume as suas impressões daquela época da seguinte forma: “Estive com o casal Junod em Rikatla em 1908. O trabalho continuou muito pacífico, porque tudo foi feito de acordo com um plano bem pensado e ninguém ousaria criticar o que o Sr. Junod ordenou. O seu prestígio e autoridade eram muito grandes entre seus alunos. Em Rikatla como em Shilouvane, trabalhamos muito, não apenas nas aulas, mas em todos os tipos de trabalho material. Em Rikatla, canais foram feitos no pântano para drenar o solo e torná-lo cultivável".
As fotos de H A Junod (1863 - 1934) em Ricatla que aqui aparecem são de entre 1907 e 1908 (quando apesar de ter só uns 43 anos de idade ter o cabelo quase branco) o que corresponde à parte final da sua terceira estadia em África. A foto seguinte foi tirada do lado direito da fachada principal da casa grande para missionários que vimos aqui:
Junod ao centro, escola de evangelistas USC

Para a foto de cima a legenda é: "Photograph of a group of teachers and students of the school for evangelists in Ricatla. In the second row, in the center, Miss Teuscher, Arnold Borel, Henri Alexandre Junod and Mrs Junod. In the background, the mission house". Nestas fotos a Mrs Junod é Hélène que ele tinha desposado em 1904.
Agora outra foto que foi tirada frente à capela / escola, uma construção específica que vimos aqui embora as telhas fossem do mesmo tipo das da casa grande e me parece eram as peças cerãmicas que se viam empilhadas aqui no chão:
Teachers and students of the school for evangelists, 
Ricatla, Mozambique, 17 november 1907 (USC)

A legenda completa da foto de cima é: "The first class. Mr Borel, Mr & Mrs Junod. 17.XI.1907, on the right, Otniel & Nerea Ndimene. Photograph of a group of teachers and students of the school for evangelists in Ricatla. In the first row, in the center, Arnold Borel, Mrs Junod and Henri Alexandre Junod. In the background, the chapel/school. Above the entrance to the building, the inscription GLORIA DEO". Esta inscrição e os ramos de palmeira apareciam aqui na FOTO 1 clarificando-se com essa informação que se inaugurava o edifício da escola, não era simplemente o início dum qualquer ano lectivo como a legenda de cima poderia fazer supor.
Sobre a Gramática Ronga de H A Junod publicada em 1896 podemos ver as suas páginas iniciais (Grammaire ronga suivie d'un manuel de conversation et d'un vocabulaire ronga-portugais-français-anglais, pour exposer et illustrer les Lois du ronga langage parlé par les indigènes du district de Lourenço-Marques):
Gramática, manual de conversação e tradução de Ronga por H A Junod.
publicada em 1896 sob os auspícios do Governo Português


Como se vê na carta à esquerda H A Junod já tinha conhecimento que o ronga de LM e Ricatla era um dos dialectos do Thonga (como lhe tinha dito por exemplo Henri Berthoud) e se bem entendo o que li, só mais tarde H A Junod concluiu que podia ter sistematizado o thonga e abranger muito mais falantes dos que restringindo-se ao ronga (ou seria isso para o thonga e as línguas próximas?). Esse assunto deve ser muito complexo tendo dado origem a profundas discussões netre os missinários colocados em diferentes pontos da região pelo que é dado a entender neste livro "Butterflies & Barbarians" de Patrick Harries no google books.
Continuo no próximo artigo a seguir a vida de H A Junod em Ricatla e o que se ia passando nessa estação missionária que ele dirigia nessa altura.

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