Concessões em LM: duas primeiras na planta de 1897 (1/5)

A planta cadastral da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo de 1897 disponibilizada pelo Arquivo Histórico Ultramarino tem informação importante sobre as concessões aí atribuidas pelo Estado Português no final do século XIX (19). Falámos num artigo anterior do que dizia respeito à Concessão de Sommerschield inicial (CdS) e falaremos neste e nos seguintes doutras concessões de terrenos atribuidas no mesmo período, algumas que desconhecia e outras de que tinha ouvido falar mas pouco concretamente.
De referir também que essa planta foi preparada de acordo com um Decreto Lei de Abril de 1895 e publicada em 1897. Foi levantada pelo Capitão de Infantaria E. Casassa Álvares Pereira que seria Eduardo Casassa Álvares Pereira, nome que me era deconhecido nas leituras laurentinas e de quem não consigo encontrar mais nada.
Apresento  a seguir a planta destacando as concessões que lá apareciam e as vias de comunicação principais:

PLANTA do porto de LM e seus arredores em 1897
Vermelho: linha da circunvalação, limite previsto para a cidade 
que nessa altura chegava só à Av. Pinheiro Chagas, actual Mondlane
Linha azul clara: estrada de Marracuene, ia da cidade para norte
Azul escuro: estrada para Lydenburg no Transvaal, para oeste
Linha branca saindo da Baixa para oeste = esquerda: linha de caminho de ferro
Polígonos coloridos: várias concessões de terrenos

Primeiro noto que a antiga estrada de Marracuene deve ter seguido um caminho tradicional saindo da cidade a partir do seu limite na altura e ficava no seguimento da actual Av. Marx, antiga Av. Central. Essa estrada de Marracuene esteve então norigem da actual Rua da Resistência, antiga Heróis de Marracuene e isso explica o facto dessa rua não se enquadrar na rede viária que desenvolveu depois em torno dela em quadrícula. Pode ver-se essa rua aqui parecendo que vai cortando os quarteirões da quadrícula quase na diagonal.
Quanto às concessões, que ficavam mais ou menos afastadas da cidade que era o núcleo com as ruas em retícula subindo do estuário para N - NE, veremos com mais detalhe duas delas neste primeiro artigo, uma das quais relaciona por vizinhança com a de Sommerschield de que falámos em detalhe nesta série e que aparece na PLANTA de cima com as marcas pretas.

Concessão marcada a roxo: 
Era da "The Transvaal and Delagoa Bay Investment Syndicate Limited", ficava a norte da cidade e vê-se que ia até à zona da Mahota e rodeava a estrada de Marracuene desses tempos. Na parte norte esta concessão ficava justaposta para poente à referida Concessão de Sommerschield e devia ter bastante menos que os 1 000 hectares que essa tinha pois do lado sul era mais estreita e bastante mais curta.
O livro "The Anglo-African who's who" fala sobre companhias com interesses em Delagoa Bay e uma delas era a Transvaal Gold Fields Limited, dirigida por Julius Berlein (anglo-russo de ascendência judaica ligado a minas e à finança / bolsa) e W. Dettelbach (director duma mina em Modderfontein, zona de Johannesburg). Esta companhia tinha várias minas e era dito que a "Transvaal and Delagoa Bay Investment Company, Limited" era um dos activos principais. Este nome é ligeiramente diferente do que está marcado na PLANTA pois tem "Company" em vez de "Syndicate" mas presumo que fosse a mesma companhia. .
Para além de Barnato da DBLS de que falámos neste artigo outros nomes estrangeiros relativos a estas concessões que estão na PLANTA não aparecem nesse "Who's Who", quer dizer eram "small fish" à escala sul-africana ou não eram ingleses.

NB 1: Aurélio Rocha (aqui no google books) no livro "Associativismo e nativismo em Moçambique: contribuição para o estudo das oriogens do nacionalismo Moçambicano" diz que a companhia "Transval & Delagoa Bay Investment" tinha obtido uma grande concessão e tudo então leva a crer que se refira à que seguimos aqui:

NB 2: O "The Anglo-African who's who" refere o grupo Henderson's Transvaal Estates, que vimos já era o proprietário da DBDC, a companhia dos eléctricos e das águas em LM. William Pott, empresãrio em LM, era um dos membros do seu conselho de gestão em Johannesburg (local committee).

Concessão marcada a castanho escuro:
Concessão que seria na Machava / Matola Gare com 100 hectares, que pode parecer pouco comparando-se com os 1 000 hectares da CdS inicial mas mesmo assim equivale a 92.5 campos de futebol colocados lado a lado na dimensão máxima.
O seu titular deveria ser Alexander Cumming Baillie, sul-africano que vemos no site 1820 settlers nasceu em 1850 e faleceu em 1903 e que foi topógrafo e ocasionalmente recrutador de trabalhadores para as minas na África do Sul, ocupações que potencialmente o teriam feito passar ou interessar-se por LM (ver em baixo mais detalhes). Para se fazer ideia do tipo de empreendimentos a que ele se dedicava, vê-se também nos arquivos nacionais da África do Sul que tinha aí obtido uma concessão para linha férrea que não foi para a frente.
Construção da linha Brandfort - Hoopstad, a primeira no Estado de Oranje

Mais informação sobre Bailie, Alexander Cumming no S2A3
"Alexander C. Bailie (1850 - 1903), son of Archibald Hope Bailie and his wife Jane Amelia, was a British agent, labour recruiter, and surveyor. In 1876 he was assistant to the Surveyor-General of Griqualand-West and on 23 June of that year was sent to Matabeleland to recruit labour for the diamond mines, map his route there, and report on the economic potential of the country along the way. Bailie travelled via Taung and eastern Botswana, reached Buluwayo on 5 December, and travelled back to Kimberley from 19 February to 16 April 1877 - a round trip of some 1400 km. He had recruited only 50 men. His "Report on the general features of the interior of South Africa, between Barkly [West] and Gubuluwayo; to accompany [a] map of the route" was published in the Journal of the Royal Geographical Society in 1878 (Vol. 48, pp. 287-293), and reprinted as a pamphlet in London in 1879. At that time Bailie was still living in Kimberley.
Bailie married Mary Ellen ("Highlie") Barber (1853-1938), daughter of the naturalist Mary Elizabeth Barber*, with whom he had several children. In 1885 he requested several times to be employed as a magistrate or civil commissioner in the Cape civil service, but without success. He then moved to Johannesburg where he was a founding member of the Chamber of Mines in October 1887 and served on its first executive committee. He did some work as a land surveyor and was a Fellow of the Royal Geographic Society. In a letter to Sir Joseph Hooker* in 1888 his mother-in-law described him as "my son-in-law Mr. Alex. C. Bailie, FRGS, who is a great lover of flowers and a very fair botanist, and one of the leading men in this great new gold country".

Concessão marcada a verde claro:
Era a da Eastern Telegraph e ficava entre a Maxaquene e a Ponta Vermelha que na altura era um núcleo populacional separado de LM. Sobre essa concessão falámos específicamente aqui e sobre o seu beneficiário aqui.

Noto também que na PLANTA não está representada a concessão de Allen Wack que ficou  entre a cidade e a da ET e por isso presumo que ela terá sido atribuida depois de 1897 (ou  um pouco antes se tivermos em conta o prazo de recolha dos dados para a PLANTA).
No próximo artigo falarei da concessão marcada a "castanho claro", a de Lingham.

Comentários