Continuamos a falar do porto de Lourenço Marques (LM), actual Maputo e depois de termos visto o seu desenvolvimento entre cerca de 1900 e 1905 vamos neste artigo recuar para os primeiros tempos da construção aí decidida pelo Estado português.
A foto seguinte é dos arquivos holandeses "Memory of the Netherlands". Estava-se sobre uma ponte sobre o estuário e olhando-se para norte onde em terra firme se via o edifício em estilo gótico da Casa da Alfândega (também aqui).
Nesta FOTO 1 ver-se-á a ponte acostável em madeira que Alfredo Pereira de Lima (APL) descreveu nos livros Pedras (página 156) e História dos Caminhos de Ferro como tendo sido construida entre 1876 e 1877 contratada pelos poderes públicos e tendo 50 metros de extensão e 5 metros de largura, o que parece corresponder ao que se observa. Escreveu também APL que essa ponte foi erguida sobre 3 filas de pilares de madeira com intervalos de 1.83 m o que nesta foto não se consegue observar. Ao fundo, na praia, vemos pilares sob a cabeceira da ponte que me parecem ser de pedra e não de madeira como terão sido os restantes para cá = sul desse ponto, e que sustentavam o tabuleiro primeiro sobre a praia e depois penetrando no estuário. APL na página 157 do livro Pedras escreve ainda que após 1877 o comprimento da ponte foi aumentada mas não disse exactamente quando e de quanto.
A localização desta ponte justificar-se-ia por o desembarque de mercadorias e de passageiros se dever fazer junto à Casa da Alfândega de modo a facilitar a inspecção e cobrança de taxas aduaneiras por esse serviço oficial. Por essa razão e provávelmente pela maior profundidade junto à margem do estuário relativamente à das cercanias acabou por ser nesta zona que se iniciou o desenvolvimento do porto e com o passar dos tempos manteve-se por aí o seu limite a leste = nascente = jusante do estuário.
FOTO 1
Primeira ponte da Alfândega em madeira sobre o estuário com o respectivo edifício ao fundo em terra firme |
Alfredo Pereira de Lima diz na página 156 do seu livro "Pedras" que as obras da Casa da Alfândega começaram em agosto de 1876 tendo sido interrompidas pouco tempo depois e que só recomeçaram quando passaram à égide da Expedição das Obras Públicas (chegada a LM a 7 de março de 1877) e suponho que foram concluídas ainda nesse ano. Como o edifício parece concluído na FOTO 1 podemos dizer que ela será no mínimo de 1877.
Segue-se uma gravura publicada pelo Illustrated London News em Fevereiro de 1888 com a legenda: "Casa da Alfândega de LM, vista da ponte de desembarque do porto". Vemos daqui que a esta ponte tanto se chamou da Alfândega como de desembarque, o segundo nome era mais relativo à função, e desta gravura podemos dizer que em 1888 tanto a ponte como o edifício continuavam semelhantes aos da FOTO 1.
GRAVURA
Primeira ponte da Alfândega em madeira sobre o estuário, com o burgo para o fundo e a praça 7 de março do lado direito = a leste |
A foto seguinte, que já vimos antes, foi tirada por Fowler, um funcionário da companhia de caminho de ferro de Mc Murdo que esteve em LM entre 1886 e 1887 e aparentemente mostra as mesmas construções das imagens anteriores:
FOTO 2 de c. 1886/87
Preto: Casa da Alfândega com três volumes Castanho claro: primeira ponte da Alfândega para o estuário e que devia ser em madeira Violeta: muro de suporte de aterro e onde essa ponte tinha a cabeceira do lado norte Verde escuro: face sul da praça 7 de março, actual 25 de junho Castanho escuro: fachada lateral a SW do Hospital por onde é agora a praça da independência Laranja claro: dois armazéns junto à Casa da Alfândega |
Os dois armazéns tinham as entradas viradas para o estuário e presumo que estivessem relacionados com a Alfândega. Por trás deles viam-se os telhados e os topos dos lados a W de duas casas construídas lado a lado e que deviam ter a frente virada para a Rua Araújo, dos Mercadores na altura e agora de Bagamoyo. As mesmas casas vêem-se no artigo sobre os primeiros tempos dessa rua aparecendo aí só na FOTO 3 a que está mais à direita da FOTO 2 de cima pois essa era a que fazia esquina dessa rua com a praça e foi conhecida como sendo a da Guarda Fiscal - aqui outras vistas sobre essa casa e essa área.
O muro de suporte "violeta" à esquerda da ponte da Alfândega na FOTO 2 dada a sua posição paralela à borda do estuário devia suportar um pequeno aterro feito da terra firme frente à Casa da Alfândega até essa posição sobre a antiga praia (pelas imagens antigas e actuais estimo que a largura da faixa de terra firme mais aterro fosse duns 30 metros). Actualmente a posição desse muro de suporte será ocupada pelo passeio a norte da Av. M. de Inhaminga e que se pode ver por aqui do centro para a esquerda da imagem GE. Alfredo Pereira de Lima na "História dos Caminhos de Ferro" escreveu que esse muro de suporte de aterro tinha 35 m de extensão (e diz o mesmo na página 156 do livro Pedras acrescentando aí que a sua construção foi em 1876, tendo-se iniciado em simultâneo com a da ponte e da Casa da Alfândega mas tendo esta sido concluida mais tarde), 3 metros de altura e 61 cm de espessura. Para a direita = leste da ponte na FOTO 1 e na GRAVURA parece-me que não havia muro continuando a praia mais ou menos como era inicialmente.
Refira-se que a fachada da frente da Casa da Alfândega antiga estava próxima donde actualmente está o lado mais a norte da sede da Universidade Eduardo Mondlane e do Ministério do Comércio. Do lado oposto a ele ou seja a leste = nascente da praça 7 de março, actual 25 de junho (marca "verde" na FOTO 2) e para a direita na FOTO 2, existia e existe a Fortaleza.
Podemos ver agora um pormenor duma das fotos da Campbell Collections da zona mais a oeste da praça 7 de março e a praia e o estuário que lhe ficavam em frente
FOTO 3
Laranja claro: praia / orla norte do estuário Castanho claro: primeira ponte da Alfândega que devia ser em madeira Violeta: muro de suporte de aterro e onde a ponte tinha a cabeceira do lado norte Verde escuro: face sul da praça 7 de março, actual 25 de junho Amarelo: telhado da Casa Amarela com os pináculos na fachada para a praça Vermelho: telhado de casa suponho que com a frente para a Rua dos Mercadores / Araújo |
Nesta FOTO 3 via-se muro de suporte dos dois lados da ponte e esta parecia mais larga do que na FOTO 2 pelo que suponho que tenha havido aí alterações. Quanto a datas, veremos no artigo 20 esta FOTO 3 completa para o seu lado direito onde aparece claramente o Hospital de Todos Os Santos senão concluido pelo menos bem adiantado. A informação que temos é que ele "foi iniciado em 1877 (ou construído em 1879-1880)" pelo que a FOTO 3 teria de ser de 1877 em diante. No entanto não se vendo o edifício "gótico" da Casa da Alfândega, então a FOTO 3 teria de ser de 1876 ou anterior pelo que me parece estamos perante uma contradição de dados insolúvel e disso falo mais nesse artigo 20 mas como referi acima é certo que se viam aqui situações diferentes da zona.
De qualquer modo é de realçar que nesta FOTO 3 é a inexistência da Casa da Alfândega "gótica" que nos permite ver desta perspectiva a Casa Amarela, um dos mais antigos edifícios da cidade e que fica no canto a NW (ao fundo) da Praça pelo que esta FOTO 3 deve ser mais antiga qu as imagens anteriores.
Podemos ainda ver na planta seguinte que cerca de 1887 uma Ponte da Alfândega deveria ainda existir no mesmo local, isto é cerca de 10 anos depois da sua construção em 1876. Foi no ano de 1887 que o Major António José de Araújo levantou em carta essa parte da costa do estuário e planeou o seu desenvolvimento, que podemos agora considerar que era pouco ambicioso em relação ao que acabou por ser realizado a partir de 1902:
PLANTA do EXISTENTE c. de 1887/1893 no PLANO de ARAÚJO
Creme: onde estava a primeira Ponte da Alfândega, talvez desenhada com uma extensão planeada, na realidade podia ser un tanto mais curta
Púrpura: fortaleza de NS da Conceição
Verde: Praça 7 de março já com o espaço com que tinha sido
ampliada para sul e que nas imagens de cima era ainda de declive para a praia.
Branco e vermelho: Rua Tavares d'Almeida do lado leste da praça
Circunferência preta: Casa da Alfândega, aprox.
Azul (vertical): Capitania antiga, anteriormente quartel
Losango castanho: futura posição do Hotel Carlton, aprox
Previsto mas acabou por não ser não realizado:
Azul claro: doca de abrigo (só uma pequena parte que lhe ficaria a sudeste
será agora da Doca de Barcos de Pesca, aqui agora)
Não tinha sido planeado mas foi realizado de 1889/90 até 1900
Púrpura: fortaleza de NS da Conceição
Verde: Praça 7 de março já com o espaço com que tinha sido
ampliada para sul e que nas imagens de cima era ainda de declive para a praia.
Branco e vermelho: Rua Tavares d'Almeida do lado leste da praça
Circunferência preta: Casa da Alfândega, aprox.
Azul (vertical): Capitania antiga, anteriormente quartel
Losango castanho: futura posição do Hotel Carlton, aprox
Previsto mas acabou por não ser não realizado:
Azul claro: doca de abrigo (só uma pequena parte que lhe ficaria a sudeste
será agora da Doca de Barcos de Pesca, aqui agora)
Não tinha sido planeado mas foi realizado de 1889/90 até 1900
Púrpura - banco: muro cais na zona da alfândega por volta de 1903,
antes da construção da ponte-cais Gorjão
Carmesim: plataforma do CA com as suas duas pontes, PA a oeste e PP a leste,
posição indicativa por volta de 1903
Carmesim: plataforma do CA com as suas duas pontes, PA a oeste e PP a leste,
posição indicativa por volta de 1903
Como indicamos gráficamente, presumo que em 1887 o Major Araújo previa uma doca de abrigo em frente à fortaleza mas como vimos antes a primeira doca acabou por ser construida depois de 1903 entre a PA e a PP que acrescentei à PLANTA pois não tinham sido planeadas por ele. Só muito mais tarde essa parte de estuário frente à fortaleza foi aterrada e na sua parte mais a sudeste foi construida a Doca da Capitania (barcos de pesca) como indico na legenda.
Falamos aqui da ponte e do muro que fizeram parte das primeiras etapas da construção do porto de LM e genéricamente sobre a evolução posterior dessa zona na margem norte do estuário ver o artigo "o porto na origem de tudo"
No próximo artigo veremos ainda em pormenor essa zona na mesma altura das fotos de cima, também com a ponte da Alfândega existente mas ainda sem obras na praia para a direita dela, a que ficava ao fundo da praça.
Série completa aqui sobre o desenvolvimento do porto até ao início do séc XX.
NB: mais duas plantas mostrando a zona da alfândega ao tempo da ponte de madeira:
PLANTAS de 1882/84 (major Machado) e 1876
Edifício em "H" é a Casa da Alfândega. Em frente para sul está a ponte de madeira sobre o estuário |
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