Carros eléctricos: cruzamentos na Av. Aguiar e linha na Av. Central seguindo Salomão Vieira (3/6)

A foto seguinte vem do site da DRISA (Digital Railway Images of South Africa) e devia pertencer à empresa dos caminhos de ferro para ser usada para propaganda turística do destino português na costa do Índico. A legenda tinha um ponto de interrogação mas podemos confirmar que a foto era de Lourenço Marques (LM), actual Maputo.

FOTO 1
Legenda original: city street showing tramlines and wiring. Lourenco Marques?

Podemos observar na foto mais de perto o cruzamento e colocar marcas:

PORMENOR DA FOTO 1
Roxo: prédio da padaria Hazis, já ampliado com o último andar
Verde: edifício do Scala de 1931
Púrpura: um dos torreões do Capitania Building(s)
Amarelo: telhado do Clube Inglês
Vermelho: prédio na esquina da Rua ou Travessa da Fonte com a Av. da República,
actual 25 de Setembro que se via aqui em 1907
Laranja: Avenida Buildings / Prédio Pott 
Castanho claro: um dos dois cruzamentos (ou desvios) 
da linha de carros eléctricos nesta avenida
Branco: via simples n
a linha de carros eléctricos nesta avenida
Verde claro: Av. da República, antiga D. Carlos, actual 25 de Setembro
Laranja claro: Av. Aguiar, depois D. Luis, actual Samora
Azul claro: Av. Álvares Cabral, actual Manganhela

A FOTO 1 seria posterior a 1931 por já existir o edifício do Scala. E seria anterior a 1940 pois nesse ano o prédio "vermelho" terá sido demolido para se continuar a avenida D. Luis desse cruzamento para baixo = sul mantendo aí a largura que tinha na secção em primeiro plano na foto. O estado inicial e o alargamento da Rua da Fonte que existia aí inicialmente foi explicado aquiaqui e aqui. Foi em 1936, dentro desse intervalo, que os carros eléctricos deixaram defenitivamente de funcionar pelo que não posso dizer se funcionavam ainda ou não ao tempo da foto, na qual de qualquer modo acho que não se vê nenhum.
Continuando agora o artigo anterior sobre os carros eléctricos e relacionando com a foto de cima, neste artigo vou referir alguns aspectos operacionais desse primeiro meio de transporte colectivo na jovem cidade e que estão descritos no já referido artigo de Salomão Vieira (SV) inserido no Boletim n. 9 do Arquivo Histórico de Moçambique de Abril de 1991. Como dissemos SV que em 1997 escreveu o livro "Os Eléctricos de Lourenço Marques" que em parte está visível no google books deverá aí ter desenvolvido o que menciono aqui que será então uma introdução.
O que vemos da FOTO 1 fazia parte do percurso comum das linhas principais dos carros eléctricos que incluía: .Praca Azeredo / Estação dos Caminhos de Ferro, Rua Dom Luis  (actual Consiglieri Pedroso), Praça 7 de Março (actual 25 de Junho) do lado Norte, Travessa da Fonte (actual secção mais baixa da Av. Samora) e Avenida Aguiar (resto da Av. Samora, da FOTO 1 até ao alto desta o qual estava para as costas do fotógrafo). Penso eu que se devia juntar aí também o troço do ponto mais acima = a norte da Av. Aguiar até ao cruzamento da Av. Central, actual Marx com a Av. 24 de Julho pois todo esse percurso era percorrido nos dois sentidos pelas linhas principais que funcionaram nos primeiros anos. 
A excepção a esse percurso comum foi a linha que ia da Estação à Câmara antiga e que chegando à Travessa da Fonte como os outros virava na esquina do Scala (prédio "verde" na FOTO 1) para leste = esquerda e por isso não passava pela avenida Aguiar, acrual Samora no local que se vê mais próximo na FOTO 1. Por andar com poucos passageiros essa linha foi suprimida a 25 de Fevereiro de 1904, menos de um mês depois da inauguração e em Abril 1905 foi levantada da rua. Como fazia parte do contrato de concessão não sei que discussões isso gerou com a Câmara pois SV não o refere. Não há fotos dessa linha com eléctricos a circular mas podemos ver a sua infraestrutura aqui. Anos depois foi criada por aí a linha da praia da Polana que desse modo também não passava pela avenida da FOTO 1.
Salomão Vieira apresenta uma planta esquemática das linhas na Baixa à qual adicionei a cores as diferentes linhas e marquei outros elementos da rede, incluindo os cruzamentos desse percurso comum: 

ESQUEMA
Amarelo - verde normal: linhas para o Quartel do Alto Maé, em dois sentidos
Vermelho - azul: linhas para a Ponta Vermelha / Polana, em dois sentidos
Preto: linha para o Cemitério na Av. Pinheiro Chagas, actual Mondlane
Verde escuro: linha da Câmara (antiga)
Castanho claro: cruzamento da FOTO 1
Carmesim: cruzamento das FOTOS 2 a 4
Cinzento: cruzamento ou duplicação de linhas perto do cruzamento 
entre a Av. Central, actual Marx e a Av. D. Manuel / 5 de Outubro, actual Josina
Resto das cores: não é relevante aqui

Quanto ao cruzamento (ou desvio) de linhas marcado na FOTO 1 e no ESQUEMA a "castanho claro" com duplicação dos carris no chão e da linha de alimentação suspensa por cima, como já dissemos antes esses pontos permitiam que os carros (que circulavam em sentidos opostos em todos os percursos) pudessem passar uns pelos outros. Ao chegarem a esses cruzamentos (ou desvios) e antes de entrarem no percurso em via simples que se lhes seguia, os condutores tinham de verificar se não vinha já um carro nesse percurso em sentido oposto para o deixar passar primeiro. Se dois carros se encontrassem frente a frente num percurso em via simples um deles teria de recuar até ao cruzamento anterior para que os dois carros se pudessem cruzar aí. 
Segundo SV, pelo menos inicialmente o dispositivo não funcionava muito bem e havia frequente necessidade de carros recuarem o que atrasava e exasperava os passageiros. As razões para os recuos acontecerem podiam ser a distração ou má visão dos condutores (e a embriaguês por vezes), má visibilidade devido a chuva, nevoeiro ou ser de noite e/ou não haver linha de vista entre cruzamentos consecutivos por projecto deficiente. 
Diz SV que a Câmara (que como entidade concessionante tinha o direito contractual de controlar a qualidade de serviço) deliberou em 9 de Março de 1904, no mês seguinte à inauguração, entre outros pontos o seguinte: "Que a companhia seja obrigada ... a colocar nos desvios encarregados de sinais de 'Espera' ou 'Ayanço', sinais que deverão ser feitos de dia com uma bandeira vermelha e de noite com uma lanterna com um vidro branco indicando 'Siga' e um vidro vermelho indicando 'Espere' ..". Pelos vistos a DBDC na semana seguinte confirmou que poria em práctica essa medida o que significou o incremento da sua despesa. Não sei se ela se aplicaria só por exemplo na Av. Aguiar e no troço seguinte na Av. Central até à Av. 24 de Julho onde havia maior concentração de tráfego e não me lembro de ter visto fotos dessa solução a ser aplicada
Diz SV (adaptado) que "em relação aos cruzamentos houve evolução. Sabemos, por fotografias, que havia dois na Av. Aguiar, um ao fundo, antes de cruzar a Av. D.Carlos (o que vimos na FOTO 1) e outro ao cimo, junto à bifurcação". Em imagens que recordamos de artigos anteriores, se na FOTO 1 viamos o cruzamento de vias (ou desvio) na parte de baixo da Av. Aguiar, actual Samora, por exemplo na FOTO 2 tirada até 1908 vemos o cruzamento que ficava ao cimo da avenida:


FOTO 2
Carro eléctrico entrando no cruzamento pelo lado mais à esquerda = leste, 
ao cimo da Av. Aguiar em frente ao Hotel Clube

No pavimento e acima do cruzamento está a bifurcação de linhas para leste e oeste da rede que também se pode observar na parte superior do ESQUEMA.
Outra foto tirada cerca de 1905 um pouco mais abaixo na avenida do que a FOTO 2 (repare-se na posição relativa do pequeno edifício branco à esquerda depois do fim do muro do hotel):

FOTO 3

Mesmo cruzamento (desvio) da FOTO 2 visto mais de perto

Ainda outra foto desse local, neste caso com o carro eléctrico antes de entrar no cruzamento (ou desvio) de linhas (ou vias): 

FOTO 4
Aqui de ponto mais junto ao passeio, vê-se também a parte mais acima
do cruzamento de linhas como na FOTO 3

Olhando para o que se passava na linha um pouco para oeste / noroeste do local da FOTO 4, no artigo SV diz ainda o seguinte "As fotografias mais antigas mostram que o troço da Av..Central (actual Marx) entre a D. Manuel (actual Josina) e a Francisco Costa (actual 24 de Julho) era de via única. Hoje, que ... a Av. Marx tem duas faixas de rodagem, pode ver-se ainda no seu pavimento uma via em cada faixa de rodagem. Quando foi duplicada essa via? Que alterações provocou na circulação daquela zona?".
Sobre esse assunto neste artigo mostramos uma foto antiga em que provávelmete aparecia a linha de alimentação na faixa a oeste = poente dessa antiga Av. Central nesse local e neste artigo tentamos estabelecer quais as linhas que seguiam por uma e outra faixa da avenida e muito baseado no que se via no pavimento numa foto moderna. Mas é de notar que não conheço foto que mostrem carros a circular na via da faixa a oeste = poente embora seja claro que ela esteve lá colocada pelo menos no pavimento como SV pode verificar no local. Quanto à data em que a via nessa faixa terá sido instalada ela já aparece nesta foto que será de 1905 mas não aparece no mapa que deve ter sido feito para o início da rede. No mapa essas duas vias paralelas em faixas separadas da Av. Central deviam aparecer (traço "castanho claro") entre o círculo e a estrela rosa e a única parte aí duplicada é de um pequeno cruzamento ou desvio, muito mais restrito que duplicação de vias ao longo de dois quarteirões.
Noutra foto deste artigo já referido aparece no pavimento um desvio de linha da faixa do lado leste = nascente aparentemente para a outra faixa mas não se consegue ver bem se estaria relacionado com as duas vias paralelas ou se seria uma solução aí adoptada para facilitar o movimento dos carros em zona próxima da sua estação de recolha junto ao cruzamento entre as Avenidas Central e 24 de Julho.

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