Porto de LM no início - relatório de Ivens Ferraz de c. 1900 - V. sinais no mastro (31/)


No artigo anterior começamos a falar do mastro de sinais do porto de Lourenço Marques (LM), actual Maputo que servia para informar antecipadamente as firmas e residentes da cidade sobre os navios que eram esperados no porto e que tinham já entrado na baía do Espírito Santo, actual de Maputo vindos doutros portos pelo oceano Índico. 
Referimos aí que o antigo capitão do porto, tenente Guilherme Ivens Ferraz (GIF) dizia no relatório publicado em 1902 mas certamente referente a 1899/1900: "Signaes: No mastro da capitania içam-se os distinctivos das companhias a que pertencem os navios que demandam o porto e os signaes d'um regimento especial" - ver PS ao fundo sobre o potencial significado "especial".
Vamos aqui ver melhor esses sinais que eram hasteados no mastro dos sinais em LM e o seu significado conforme consta da lista telefónica da cidade (Delagoa Directory) de 1913.

SINAIS NO PORTO DE LM EM 1913 (I - A)
Sinais eram de três tipos: bola, galhardete / flâmula (triangular)
 e bandeira (rectangular)

As bandeiras eram então sinais numéricos de 1 a 0 e na tabela a seguir, da mesma publicação, podemos ver as informações que com elas se podia transmitir a partir do mastro:  

SIGNIFICADO DOS SINAIS NO PORTO DE LM EM 1913 (I - B)
(explanation = explicação)
Na parte inferior está a tabela de códigos para as bandeiras,
para códigos de 01 a 60

Resumidamente compreende-se este sistema de sinais e como funcionaria para a maior parte dos casos mas como é usual e veremos alguns casos a seguir "o diabo está nos detalhes". 
Vamos então ver como exemplo se estivessem para chegar ao porto de LM dois navios da marinha mercante gregos vindos de Durban (=do sul), isto cerca de 1900, com o mastro na posição da FOTO 1
Comecemos com a indicação de que eram "gregos", ao que correspondiam as bandeiras para o código "14", a "1" (a da cruz vermelha) e a 4 (a da cruz branca em fundo azul) 
Segundo a "explanation" essas bandeiras seriam colocadas num braço dum lado ou doutro (leste - oeste) do mastro, o que suponho se referia à sua trave - ver NB 1.
Confirmando essa ideia vê-se nas três fotos do artigo anterior que a direcção dessa trave (s) era a do eixo leste - oeste. Então no nosso exemplo, como assumimos que os navios gregos vinham do sul, as bandeiras do "1" e a do "4" ficariam no braço da trave do lado da Ponta Vermelha (= leste) - ver NB 2.
A "explanation" diz também que em vez do código relativo à nacionalidade do navio (e que podia ir do 1 ao 29) podia ser usada a bandeira específica da sua companhia. À primeira vista essa possibilidade correspondia ao que o tenente GIF mencionava no seu relatório: "No mastro da capitania içam-se os distinctivos das companhias a que pertencem os navios que demandam o porto". Mas enquanto que para GIF a única opção parecia ser a de içar as bandeiras das companhias (certamente pressupondo que a partir delas o observador informado poderia deduzir a nacionalidade do navio) na "explanation" era aberta a escolha entre colocar os distintivos das companhias e as bandeiras relativas à nacionalidade. E fica a dúvida no caso de GIF se também haveria distintivos para cada armada "nacional" enquanto que na "explanation" como veremos já a seguir essa possibilidade era bem coberta.
Continuando o nosso exemplo, tratando-se de navios mercantes seria colocado um galhardete azul por cima das bandeiras, que como dissemos estariam colocadas (penduradas ?) dum dos lados da trave. Mas não fica muito claro onde ficaria esse galhardete (que também podia ser "vermelho" no caso de vaso de guerra), se seria no mastro (e nesse caso se seria abaixo da bandeira nacional do topo ou no lugar desta pelo que esta seria retirada?) ou se seria nas cordas descendentes que estavam acima da trave.
O sinal essencial que faltaria considerar para o mastro seria a bola, que seria colocada por cima dos outros sinais (mas também não é muito claro onde) no nosso exemplo de estarem a chegar ao porto dois navios. Se fosse só um navio não apareceria a bola, se fossem três ela ficaria a bola por baixo dos sinais (mas exactamente onde?) - ver NB 3 sobre a bola e o balão, coisas diferentes.
Imagino então que o mastro no nosso exemplo estivesse mais ou menos como estimo na foto seguinte dos Lazarus - que se viu completa aqui - e em que o estuário estava para a direita = a sul e a Ponta Vermelha = leste para o fundo à esquerda. A foto é do início do século XX, o mastro estava na segunda posição dentro da Fortaleza e tinha duas traves mas como na parte superior era similar a quando tinha só uma penso que esta estimativa poder-se-ia aplicar à sua primeira posição: 

FOTO 1 (com estimativa)
Informação que estaria a ser comunicada a partir do mastro:
bola: dois navios ...
galhardete azul: ... da marinha mercante ...
bandeiras do lado leste: vindos do sul por ex. do porto de Durban
bandeiras "4" e "1": ... e nacionalidade grega

Ainda segundo a "explanation" haveria mais informação que poderia ser transmitida pelo mastro. No nosso exemplo podiam aparecer mais duas bandeiras "3 = francesas" se esses navios "civil - grego" depois de entrarem na baía tivessem ancorado junto ao baixio de Cockburn (e estivessem aí por exemplo à espera de pilotos, que a maré subisse, de vento melhor se fossem veleiros, etc). Certamente que essa informação para terra era relevante pois significava que a chegada desses navios não iria ser muito em breve.
Óbviamente tudo se complicaria - no que respeita à colocação dos sinais para o pessoal da Capitania e ao seu entendimento para as firmas ligadas aos navios e/ou para a população em geral - em casos mais complexos. Imaginemos que os navios a chegar ao porto quase ao mesmo tempo fossem de companhias diferentes apesar de serem da mesma nacionalidade, mais ainda se fossem de nacionalidades e de tipos diferentes, se viessem uns do norte e outros do sul, etc etc. Quer dizer este sistema de sinalização tinha as suas limitações mas tenhamos em conta que o mundo no dealbar do século XX também não era muito sofisticado (e terá sido para aumentar as possibilidades de sinalização que foi adicionada a segunda trave ao mastro?).
Voltando atrás e à necessidade original deste sistema de sinais no porto, a partir da instalação de cabo submarino para LM em 1879 podia-se saber se um navio tinha partido dos portos de Durban ou da Ilha de Moçambique em direcção a LM (os três burgos estavam ligados ao mesmo sistema de cabo submarino) mas nos dias seguintes, e antes de ter sido instalada TSF nos navios - primeiras experiências em 1899, não se saberia nada em LM sobre a sua situação. Então nesses tempos poder-se transmitir à cidade através do mastro o que era observado logo que esses navios entravam na Baía e estariam ainda a horas de chegar ao porto era relevante. 
Sobre o aspecto da evolução com o tempo, no LM Directory de 1925 (já escrito em português) continuava a aparecer informação semelhante à de 1913 (a de I - A e I - B que vemos em cima) sobre os sinais no porto mas que, como já dissemos antes, no publicado em 1931 ela já não aparecia. Presumo então que esse sistema de informação tivesse entrado em desuso na segunda metade da década de 20 devido aos avanços técnicos nas comunicações directas dos navios e do farol da Inhaca / Cockburn para o porto. 
Mas como disse no artigo anterior o que mais me surpreende neste tema é termos umas 5 fotos pelo menos razoáveis do mastro dos sinais e em nenhuma delas se verem os ditos cujos. Ainda sobre c. de 1900 escreveu o tenente Guilherme Ivens Ferraz (GIF) que "Qualquer navio surto no porto, precisando de socorro durante a noite, deve içar no tope do mastro grande um pharol encarnado" e sobre esse aspecto deveria ser ainda mais difícil encontrarmos uma imagem noturna que o pudesse ilustrar.
Série completa aqui sobre o desenvolvimento do porto até ao início do séc XX.

NB 1: A "explanation" é clara para quando existia uma só trave. Existindo duas quando o mastro foi para dentro da Fortaleza não sei como seriam utilisadas.
NB 2: Na "explanation" falta definir a regra para se distinguir o que seria um "14" (como se pretendia fazer no exemplo) ou o que seria um "41" (significaria um "yacht"). No entanto no nosso exemplo seria colocado um galhardete azul que já dizia que estava para chegar um navio da marinha mercante pelo que se podia eliminar a possibilidade das bandeiras "4" e 1" significarem "yacht", mas poderia haver outras ocasiões em que só com as regras expostas poderia haver dúvidas.
NB 3: Poder-se-ia confundir a bola do mastro dos sinais com o balão de que falámos neste e neste artigos. Todavia era o próprio tenente GIF que dizia que o balão servia para dar as horas e via-se bem nesta foto que ele estava colocado num mastro diferente do dos sinais, mais junto ao estuário do que este.  
PS: Quanto à referência do tenente GIF a "signaes d'um regimento especial" acho que ele podia estar-se a referir a serem específicos do porto de LM os elementos seguintes: 
a. as bandeiras que representavam os algarismos de "1" a "0"; 
b. o significado dos códigos que podiam ser representados com essas bandeiras = algarismos; 
c. esses dois elementos serem específicos. 
Não sei a resposta a esta dúvida mas quanto às bandeiras (= algarismos) parece-me que serem normalizadas para todos os portos (nacionais e/ou internacionais) teria sido conveniente. Quanto aos códigos (=números de dois algarismos) o mais normal seria variarem de porto para porto atendendo às características próprias de cada um e à informação que em cada um seria mais relevante ser comunicada - através dos sinais do mastro - aos "utentes", ou seja às empresas ligadas ao porto e aos os habitantes em geral.
Também me parece que a explicação dos sinais ser incluída no "Delagoa Directory" apontaria a que fosse específica do porto de LM. Pelo contrário, se os sinais e códigos obedecessem a normas internacionais, as quais naturalmente seriam bem conhecidas do sector, não haveria necessidade de incluir (e todos oa anos) essa informação na "lista telefónica" da cidade
Não encontro sinais doutros PORTOS, mas tentando perceber um pouco melhor o contexto internacional dos do PORTO de LM encontro neste site vários galhardetes (pennants em inglês) e/ou bandeiras de sinais usados pelos NAVIOS NO MAR ao longo dos tempos pela marinha de guerra real do Canadá (RCN). 
O conjunto que mostro a seguir é de 1913 e por isso da mesma altura dos sinais do PORTO de LM que vimos em cima o que em termos temporais permitiria comparar (o site mostra que este conjunto continuava a ser usado pela RCN em 1937 e na WW2 entre 1939 e 1945, isto é que procuram estabilidade):

SINAIS INTERNACIONAIS de NAVEGAçÃO - Canadá (II)
Do manual de sinais em NAVIOS da RCN de 1913

Neste conjunto do Canadá (II) temos a codificação de sinais numéricos à esquerda em galhardetes e à direita em bandeiras e não sei porque havia duas possibilidades. 
Óbviamente que as necessidades de sinalização a partir dum NAVIO NO MAR (vou virar a estibordo, por exemplo) seriam muito diferentes da que era necessária para o PORTO de LM (vai chegar em breve um navio mercante grego vindo de Durban, por exemplo) mas apesar de códigos / mensagens diferentes os algarismos / bandeiras utilisados para os representar podiam ser os mesmos. 
Comparando todavia as bandeiras da RCN (II) com as de LM (I - A) vê-se que são diferentes, começando logo pelo facto de as da RCN incluírem as cores amarelo e preto, para lá das cores branco, vermelho e azul usadas em LM (I - A). 
Seria então interessante conseguir comparar os sinais do PORTO de LM com os doutros portos no início do século XX mas ...

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