Porto de LM no início - relatório de Ivens Ferraz de c. 1900 - IV. (14/)

Continuamos seguindo o relatório "Descrição da Costa de Moçambique de Lourenço Marques ao Bazaruto" do oficial da Armada Guilherme Ivens Ferraz (GIF) publicado em 1902 e que se pode descarregar daqui de que apresento aqui aspectos diversos:
"Signal horário: O tempo médio local é dado por um balão que cai à 1 hora, disparando-se simultaneamente um tiro de peça".
Podemos ver essa peça disparando da face sul da Fortaleza, certamente como GIF a terá conhecido dado que à época não tinha muralha levantada desse lado (à esquerda da foto estava o baluarte a SW da fortaleza que foi depois demolido).

FOTO 1
O tiro (ou o canhão) da 1 hora, LM (foto do Smithsonian Institute EUA)

Iremos aqui dar uma perspectiva mais geral do assunto. No artigo sobre a primeira Capitania do Porto está a FOTO 2 com o seu edifício, que actualmente ficaria por aqui ao centro, entre a Fortaleza e a rua / praça, aparecendo por trás dele os dois elementos acima referidos por GIF. A foto é dos irmãos Lazarus que chegaram a LM em 1899 e como nela não se vê instalações da linha de carro eléctrico (linha da Capitania aqui) ela terá no máximo sido tirada em 1904. Por isso e dado que o que se vê condiz com o relato de GIF esta foto deve mostrar o local quase como quando ele foi o Capitão (chefe da Capitania) do porto de LM, actual Maputo de 1895 a 1899:

FOTO 1
à esquerda: mastro dos sinais da Capitania
à direita: balão do sinal horário, face ao estuário

As tripulações dos navios que estivessem fundeados no estuário ou atracados no cais saberiam então a hora certa local (13 horas) quando vissem o balão escuro baixar e/ou o som do canhão da FOTO 1 a disparar e podiam assim acertar os seus relógios.
Segue-se uma foto posterior do edifício da Capitania, pois para S - SE dele surge um novo edifício, o Capitania Buildings (CB) ocupando um pouco da praia no estuário no espaço mais próximo que se via livre à direita na FOTO 2 (e que se já existisse não permitiria ver a Fortaleza como se via na FOTO 1, ver na FOTO 4).  

FOTO 3
Mastro da Capitania continuava na mesma. O balão do sinal horário não se via.

Note-se ainda que aqui na quarta foto se vê este edifício à direita quase de perfil e fotografado do CB. O CB foi construido cerca de 1904/05 quase em simultâneo com a instalação da linha de eléctrico que também surge nesta FOTO 3, que por isso será de 1904 ou posterior mas não muito. Presumo que com a construção do CB que o sistema de sinal horário tenha sido modernizado dado que nem na FOTO 3 como na FOTO 4 seguinte se vê o balão respectivo.

FOTO 4
Capitania Building visto do lado sul, ainda com estuário a SE.
Fortaleza à sua direita com o baluarte e sem a muralha actual do lado sul

Nesta última foto o mastro dos sinais está à direita = para leste do CB e erguido no pátio da Fortaleza mas não se via por aí o balão do sinal horário que inicialmente estaria para o lado de cá, para sul do mastro dos sinais. Por um lado, dado que a nova ponte-cais Gorjão ficava na diagonal do CB para o lado esquerdo e para cá, ou seja a SW do CB, este grande edifício veio obstruir a vista dos navios para o balão do sinal horário. Este teria então de mudar de local para continuar visível mas com o crescimento do porto mais para Oeste (para longe da zona que vemos aqui) e o avanço da tecnologia, o sistema do balão e canhão terá nessa altura sido substituido pelo sinal luminoso instalado junto ao cais.e de que falámos aqui. Por essa altura a hora oficial era dada já pelo observatório astronómico da Polana e pelo edifício do relógio do porto localizado nas proximidades.
Continuando com o relatório de GIF sobre o porto de LM no final do século XIX e início do XX (20) e ligações a artigos sobre esses tópicos no HoM:
"Pilotos: No cruzamento dos canaes da barca, ao N. do pharol de Cokburn, está fundeado o pontão estação dos pilotos da bahia, que a qualquer hora prestarão os seus serviços aos navios que se approximarem da bahia.
Reparações: Nas officinas de Catembe fazem-se grandes reparações nas machinas dos navios, casco e apparelho. Há ahi um plano inclinado que pôde receber navios de 300 toneladas de deslocamento, não demandando mais de 7 pés avante (que dizer se tiverem menos de 2.1 m de calado).
Pesca: Há em Lourenço Marques 373 embarcações empregadas na industria da pesca, sendo 24 de portugueses, 39 de italianos, 16 de gregos e 294 de indígenas.
Abastecimentos: O carvão do Transvaal pode-se obter em circumstâncias normaes ao preço de 25 sh. a tonelada estivada nos paioes (dos navios), ou a 11 sh. nos wagons do caminho de ferro.
O carvão inglez nem sempre abunda no mercado e o seu preço é muito variável, chegando a vender-se a 63 sh.
A aguada é feita com facilidade, havendo para isso vários barcos que a vendem a 5$000 réis o metro cubico.
Os navios de guerra portugueses ou estrangeiros pagam a 3$000 réis o metro d'agua, fornecido pela barca a vapor das officinas da Catembe.
Lastro d'areia pôde tomar-se nas praias designadas pelo capitão do porto, mediante o pagamento de uma licença.
Géneros frescos de toda a qualidade encontram-se em abundância no mercado. Aprestos para navios e machinas, etc, também se encontram com facilidade."
E finalizando esta parte do relatório de Guilherme Ivens Ferraz:
"Communicações: As companhias de navegação a vapor que fazem carreiras regulares para o porto, são: Union Line; Castle Line; Deutsch Ost Afrika Linie; Chargeurs Réunis; Aberdeen Line; British Índia; Natal Direct Line; British Colonial; American & African; Clan Line.".
Destas companhias de navegação estrangeiras (não portuguesas) cujos navios escalavam LM entre o final do século XIX (19) e o início do século XX (20) falámos com maior ou menos detalhe da Union - Castle (as duas uniram-se em março de 1900, por isso pela época em que GIF deve ter escrito este texto) e da Clan Line, ambas britânicas e da DOAL alemã.
No próximo artigo concluiremos a revista do relatório de GIF e veremos a evolução das construções do porto genéricamente na mesma zona da Baixa que vimos nas fotos de cima mas um pouco mais para oeste, a sul e SW da praça 7 de março, actual 25 de junho.
Série completa aqui sobre o desenvolvimento do porto até ao início do século XX.

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