Construção do Cais Gorjão: blocos de betão - estaleiro (4/4)

Para completar a série sobre o método dos blocos de betão de 30 toneladas projectado pelo Eng. Costa Serrão e o local onde foi aplicado usaremos fotos na maioria já conhecidas e o que Eng. Lopes Galvão escreveu em 1940 no livro "A Engenharia Portuguesa na Moderna Obra de Colonização". 
A primeira foto mostra a fase inícial dessa construção com os blocos a serem movimentados pelo guindaste de 60 toneladas a que Costa Serrão tentou dar maior utilização. O local foi estimado no artigo anterior como sendo aquele onde em 1915 foi instalada a Carvoeira Mac Miller.

FOTO 1
Início da construção do muro-cais em 1911 com ponte sobre pilares à direita

O guindaste está ainda muito junto à ponte em madeira que avançava para o estuário vinda de terra firme e donde tinha partido a nova construção. Do lado esquerdo está a barcaça de apoio com materiais de construção. O operário sobre o andaime parece estar a acabar a superfície do muro-cais. 
O Eng. Galvão escreveu no livro que os blocos "sobrepõem-se com facilidade" tornando-se as "pilhas solidárias umas com as outras pelo emprego de cilindros de betão introduzidos em cavidades apropriadas". As únicas cavidades que vejo nestas fotos são as ranhuras verticais que se viam por ex. aqui e que inicialmente serviam para a passagem das cordas que suportavam cada peça. Eu esperaria que a solidez do conjunto fosse reforçada com ligações na horizontal entre as pilhas de blocos vizinhas e portanto não é isso que vejo aqui. 
Segundo o Eng. Galvão para o fabrico dos blocos Costa Serrão organizou um grande estaleiro servido por vias férreas e provido de um guindaste de pórtico rolante. Deve ser isso o que aparece ao fundo da foto seguinte já conhecida da construção e onde suponho se via também blocos já acabados no estaleiro (anos depois esse pórtico continuava nesse local como se via aqui à direita).

FOTO 2
Creme: guindaste de pórtico
Castanho claro: seria o estaleiro, parece-me que com blocos construídos
Vermelho: início de nova ponte provisória na perpendicular ao novo muro cais
Castanho escuro: lado a leste de Ponte Holandesa / Cais Holandês

Deveria haver maneira do guindaste de pórtico colocar os blocos fosse na barcaça que acompanhava os trabalhos nesse caso possívelmente para o seu lado direito onde havia o estuário que banhava o cais das estâncias, fosse para o vagão locomotiva que depois penetrava pela ponte adentro.
Segundo o Eng. Galvão a construção era simples sendo a velocidade de execução só limitada pela do fabrico dos blocos. Temos fotos e datadas desta construção pelo que não ficam dúvidas de quando ela terá acontecido, já uns 7 a 8 anos depois da primeira secção da ponte-cais Gorjão ter sido inaugurada.

MONTAGEM (já conhecidas)
Vermelho: ponte em estrutura a penetrar de terra para dentro do estuario
Laranja claro: início do muro-cais com blocos de betão
Laranja normal: continuaçâo da construção do muro-cais para leste = oriente

Teria assim demorado mais de dois meses a construir-se uns 50 metros de muro-cais, e assegurando-se únicamente uma faixa de cerca de 3 metros de largura para o solo das instalações portuárias que se pretendia construir daí para o lado de terra. Tal era uma parte essencial mas percentagem pequena dos trabalhos totais necessários (mais 19 metros eram preciso para completar os 22 metros do tabuleiro da ponte-cais e depois aterros para  armazéns e edifícios até ao limite das instalações portuárias - ver neste artigo). A questão que se pode colocar é como terão sido construídos esses 19 m. adicionais, terão colocado nova fiada de blocos ou foi com a estrutura de estacas de betão?
Quanto ao comprimento e muro-cais em blocos de betão que foi construído, temos dados um tanto contraditórios:
a. no artigo anterior estimámos que teria sido entre 90 metros (pelas medidas) e 100 metros (seria esse o significado do que foi escrito no pilar que parecia ser o da extremidade a jusante);
b. na tabela incluída num livro dos CFM de 1965 e que vimos aquiem cima à esquerda aparecia que a ponte-cais da Carvoeira 1 tinha extensão de 40 metros. Como essa carvoeira era Mac Miller cuja posição correspondia à do muro-cais com blocos de betão podia assumir-se que este teria esses 40 metros de comprimento.
c. o Eng. Pinto Teixeira dizia que esse muro-cais tinha 60 metros de comprimento;
d. o Eng. Galvão escreveu no livro que com este método se "construiu uma grande extensão de cais" mas que não foi o adoptado para se "continuar com o prolongamento do cais", o que a meu ver é inconclusivo,
Veremos em baixo que o Eng. Galvão dá uma justificação um tanto diferente mas "achismo do HoM" para o que pode ter acontecido é o seguinte: como se viu na plano de 1909/10 do Eng. Costa Serrão pretendia-se prolongar a ponte-cais e colocar na sua extremidade a poente uma carvoeira. Tendo o Eng Costa Serrão a ideia de construir a ponte-cais com blocos de betão do que resultaria uma base mais sólida do que um cais com estrutura e sendo a carvoeira equipamento pesado e com cargas pesadas, deve ter sido decidido começar a nova ponte-cais com esse método e por essa extremidade. Tendo-se atingido a extensão necessária para a carvoeira deve-se ter avaliado os resultados e decidido fazer o resto da construção para jusante com o método da estrutura.
Para tentar comprovar o "achismo" procurei fotos recentes da ponte-cais de onde esteve instalada a carvoeira Mac-Miller, caso da seguinte que vimos aqui. Não se consegue ver aí diferença entre a ponte-cais onde ela estava assente, que deveria ser em blocos de betão e a que rodeava que deveria ser estrutura (essa seria por exemplo como aqui na direcção da Rua da Mesquita). Não sei o porquê mas explicações podem ser muitas, que o que existe aí seja tudo novo, que estrutura original pode depois ter sido tapada do lado do estuário, que o muro-cais em blocos ultrapassou em muito o que era necessário só para a carvoeira e abrangeu toda a zona à vista na FOTO 4, etc: 

FOTOS 4 (moderna e antiga)
Foto moderna: ponte-cais na zona da carvoeira Mac Miller
Foto antiga: como seria o muro-cais feito em estrutura,

diferente do que a foto moderna mostra
NB:
Texto completo  respeitante à construção do porto:  de "A Engenharia Portuguesa na Moderna Obra de Colonização" do Eng. Lopes Galvão publicado em 1940" relativo ao método dos blocos de betão, com comentários HoM:
"O engenheiro Costa Serrão que foi nomeado inspector das Obras Públicas de Moçambique em 1907 propôs um sistema de cais em blocos de alvenaria de cimento, do peso de 30 toneladas, arrumados em pilhas verticais contraventadas por cilindros de betão introduzidos em cavidades cilindricas deixadas nas paredes laterais dos blocos.
De todos os muros cais até então conhecidos, o projectado por Costa Serrão era o mais simples de fazer e o de perfil mais económico. 
Os blocos eram colocados no seu lugar por meio de um grande guindaste existente no porto. Regularizado o enrocamento da fundação e assente o primeiro bloco com o auxilio de mergulhadores, os que se lhes seguiam encaixavam uns nos outros, dispensando o trabalho de ajustamento do mergulhador que se limitava a verificar se o assentamento estava perfeito."
HoM: a eficácia do método dependia da colocação do primeiro bloco de todos e depois do primeiro bloco de cada pilha (vertical). Se algum desses blocos ficasse desalinhado ou "empenado" tinha consequência para tudo o resto e o erro tinha de ser corrigido desde a causa. Os mergulhadores podiam verificar se o primeiro bloco estava na posição correcta nos 3 eixos e senão estivesse pedir para que fosse levantado para se corrigir o enrocamento (o caso mais difícil) ou a posição em que o bloco tinha sido pousado (guindaste pegar nele e voltar a pousar). De qualquer modo para esta correcção que era feita debaixo de água que podia estar turva, os mergulhadores tinham primeiro de fazer passar as cordas pelas ranhuras horizontais por baixo do bloco para ele ser içado pelo guindaste. 
No procedimento normal os mergulhadores só tinham de verificar se os blocos não se tinham partido ou rachado na colocação, se cada um se tinha encaixado bem por cima do inferior e verificar se não surgiam aberturas para a pilha ao lado, que tinha sido colocada antees. 
"Por este processo original se construiu uma grande extensão de cais, hoje aproveitada para a circulação de guindaste eléctrico de 60 toneladas, o mesmo com que o cais foi construido. O cais em cimento armado não comportava a circulação de tão pesado aparelho."
HoM: esse guindaste foi depois usado permanentemente para a Carvoeira Provay que ficava talvez uns 200 metros para leste da Mac Miller onde ele operou inicialmente. Isso levanta a questão se o método dos blocos teria sido usado em toda essa extensão (maior do que os 60 a 100 metros de que falámos aqui) ou ter-se-ia o Eng Galvâo confundido?
"A construção em cimento armado era mais expedita e ficava mais barata não obstante o perfil do muro ser o mais económico possivel. Por isso a construção em cimento armado foi a adoptada quando houve necessidade de continuar com o prolongamento do cais."
HoM: este ponto final é crucial dado que me parece que o Eng. Lopes Galvão ou não é claro ou contradiz-se pois em duas partes do livro diz:
- página 127, respeitante à construção do porto: "De todos os muros cais até então conhecidos, o projectado por Costa Serrão era o mais simples de fazer e o de perfil mais económico";
- página 217, respeitante à biografia de Costa Serrão: "o estudo comparativo que Costa Serrão fez dos muros cais até então construídos demonstrou que o seu era o mais económico de todos eles e o de mais fácil execução."
Sendo assim porque é que o Eng. Lopes Galvão disse também na página 127 que a construção em cimento armado (quer dizer em estrutura) "ficava mais barata" e que acabou por ser adoptada na maioria da ponte-cais?

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