Porto de LM, 1a doca: identificação de fotos e localização (A/)

artigo republicado com pequenos ajustes

O tema principal da série que aqui começa e que vem na sequência da série sobre o porto no início de entre c. de 1890 e 1905, é uma doca que foi criada no porto de Lourenço Marques (LM), actual Maputo, já no século XX (20). Um artigo publicado em 1907 chamava-lhe "doca dos lanchões ou lanchas" o que é equivalente a barcaças e que como veremos tinha razão funcional de ser mas aqui irei chamando "Primeira Doca" (PD) para a distinguir duma anterior que presumo tenha existido na mesma zona embora um pouco mais do lado de terra e a que chamei Pequena Doca Interior (PDI) - ver aqui onde ela pode ter estado.  
A dificuldade de actualmente se perceber muitas fotos antigas do porto deriva de os seus autores e os editores dos respectivos postais e de quem as publicou em livros, nomeadamente os principais autores luso-moçambicanos Alfredo Pereira de Lima e Alexandre Lobato, por vezes darem os mesmos nomes a estruturas diferentes que estiveram nos mesmos ou em locais diferentes, darem nomes diferentes às mesmas estruturas, algumas das estruturas terem evoluído mantendo genéricamente o local inicial mas deslocando-se mais para dentro do estuário, etc. Para além disso a maioria das fotos não tem uma data marcada, para algumas presumo que a que têm esteja errada e como a evolução do local foi rápida os seus detalhes não foram cobertos pelas cartas topográficas. De notar ainda que a carta mais relevante - o plano hidrográfico do porto - foi levantado em 1904 e actualizado em 1906 e que nesse período houve grandes alterações na zona inicial do porto e assim provávelmente ter-se-á perdido informação sobre que existiu antes e sobre o desenrolar dos trabalhos. Outra dificuldade deriva de não saber a data exacta em que o edifício preponderante na zona, o Capitania Building(s), foi construído, pelo que se perde o que poderia ser uma referência importante. Por isso tentarei aqui avançar o conhecimento sobre esse período do porto mas ...
Começo por dois postais claramente do mesmo local vendo-se em primeiro plano à direita a doca a que vou chamar Primeira Doca (PD). Os dois têm em comum o nome "Ponte de Passageiros" (que aqui será chamada PP) e no segundo aparece também wharf = cais. O nome PP foi dado a uma estrutura em forma de "L" que terá sido construída para o final do século XIX a leste do fundo da praça 7 de Março, actual 25 de junho. Nestes dois postais não era indicado precisamente o que seria a PP mas seria de presumir que fosse a estrutura que aparecia à esquerda fechando parcialmente essa doca do lado do estuário = sul (aí estaria a base do "L", a sua parte vertical estaria para as costas do fotógrafo) e como iremos vendo nestes artigos a PP da PD era diferente da PP inicial (de que já falámos ao fundo deste artigo) e estiveram em posições semelhantes mas não iguais. 

 FOTO 1

FOTO 2
Roxo (mais claro)limite a poente duma doca, a que chamo PD
Púrpura (mais escuro): ponte que fechava essa PD pelo menos a sul, do lado do estuário, e para o qual tinha abertura logo a seguir à sua extremidade a oeste

Estas fotos permitem ver que estamos num ponto a oriente= a leste = a juzante do estuário do Espírito Santo dado que depois da linha roxa e à esquerda, do lado da baía, se vê o início da estrutura da ponte-cais Gorjão com os guindastes no tabuleiro do recinto portuário e navios aí acostados.  Assim as fotos foram tiradas para poente = oeste e por onde teria sido a extremidade mais a leste do cais da cidade, o que genéricamente corresponderia ao fundo da praça 7 de Março, actual 25 de junho.
A conclusão do mesmo tipo mas mais precisa podemos chegar olhando para a FOTO 3 seguinte em que surge um armazém que é o mesmo do das duas anteriores (NB 1). Como nas FOTOS 1 e 2 tinhamos o que chamei a PD então a partir da FOTO 3, que consigo localizar bem na cidade, podemos saber exactamente onde teria estado a PD e como se fazia a sua ligação para sul ao estuário. De facto a percepção duma doca na FOTO 3 seguinte é mais difícil do que nas anteriores e ela podia até já ter sido extinta, mas o que importa saber neste ponto não é se ela existia ainda ou não, é onde ela existiu ao tempo das FOTOS 1 e 2. 
No entanto parece-me que a PD existia ainda ao tempo da FOTO 3 tendo em conta o espaço azul à direita da guarita e que estava para o interior da linha da ponte-cais onde o navio estava acostado e tento assim marcar onde ela estaria (NB 2) ou pelo menos teria estado:

FOTO 3 (sem e com marcas)
Preto: limite a leste da ponte-cais Gorjão nessa altura, 
para isso acontecer a foto teria de ser posterior a pelo menos 1903
Penso que indicando que a primeira doca (PD) existia ainda:
Preto e roxo: esquina da ponte-cais com a doca que pelo armazém 
corresponde à que viamos um pouco para cá do guindaste nas FOTOS 1 e 2
Roxo contínuo: limite a poente desta doca
Roxo tracejado: limite a norte desta doca 

Basta a posição do edifício do relógio que se vê na FOTO 3 (está actualmente aqui ao centro da imagem e com telhado vermelho) para se dizer que a PD ficava ou tinha estado "encaixada" a sul da praça 25 de junho, antiga 7 de março. Sabendo onde esteve a Plataforma do Cais da Alfândega (PCA) por exemplo neste artigo podemos dizer que a PD foi formada na secção de estuário imediatamente para sul da face virada a sul da PCA. Lembro que era do canto a SE da PCA que se projectava para o estuário (alinhada em terra firme com a rua que bordejava a praça a leste) a PP inicial que como dissemos em cima não era a mesma PP da PD embora tivessem estado próximas (noto que na FOTO 3 a nova PP da PD teria o seu início à esquerda da guarita que estaria junto à doca e por pouco que a objectiva não a captou). 
Do lado oposto a esse, isto do lado mais a oeste da PD, a linha roxa que se via ao fundo das FOTOS 1 e 2 estava onde pelo menos até 1903 tinha estado a Ponte da Alfândega (PA) da PCA local esse que podiamos ver, olhando-se de terra para o estuário, nesta foto com a PCA em primeiro plano e a PA para o fundo.
Quando à datas sobre a PD, a sua construção terá ocorrido em data incerta entre 1903 (data mínima da construção do Capitania Buildings e da chegada da ponte-cais Gorjão à zona a sul da praça onde se localizava) e Agosto de 1907, data de publicação duma foto que mostrava a PD e o que a circundava prontos. Há ainda uma foto que mostra a PP da PD em 1912 e quanto ao fim da PD há uma foto que vimos aqui que será de 1916 e que mostra a sua PP (a ponte à esquerda das FOTOS 1 e 2 de cima) aparentemente a ser desmantelada e ao fundo um bate-estacas que estaria a prolongar a ponte-cais Gorjão para jusante do estuário o que viria fechar a única abertura da PD, a do lado sul.
Passamos agora para a FOTO 4, que foi tirada do Capitania Building(s) e com a mesma perspectiva da FOTO 3 embora virada um pouco mais para a direita. A FOTO 4 mostra assim básicamente o mesmo local da FOTO 3 mas seguramente em época mais recente pois era claro que a PD já não existia por aí dado que a ponte-cais Gorjão tinha sido prolongada para juzante do estuário = leste e o espaço aquático que tinha sido da PD tinha servido para aumentar a zona de armazenamento a descoberto para mercadorias no porto. 
Apesar de na FOTO 4 o armazém mais junto ao cais não ter a porta no topo e ter uma janela que não existia antes, suponho que fosse ainda o inicial das três fotos anteriores (esse topo a leste do armazém foi tendo pequenas alterações, vê-lo aqui noutra altura). 

FOTO 4 (mesmo local da FOTO 3)
Roxo: estimativa de onde tinha sido a primeira doca das FOTOS 1 e 2.
A tracejado está onde tinha sido o seu limite a norte
Preto: até onde era a ponte-cais Gorjão quando havia a doca das FOTOS 1 e 2
Verde escuro: praceta de António Enes, com o monumento ao centro

O guindaste ao centro esquerda desta FOTO 4 estava aproximadamente onde tinha sido a abertura da PD para o estuário a sul. Aparecem na FOTO 4 a praceta e monumento de António Enes (esteve onde agora existe o museu da pesca), confirmando-se assim - o que já tinha sido possível dizer a partir da posição do edifício do relógio na FOTO 3 e que apareceria para a esquerda desta foto se a objectiva tivesse captado mais nessa margem - que a PD tinha ficado "encaixada" a sul da praça 7 de março. 
Parece-me que aquela a que chamo a PD do porto de LM (ela foi aí a primeira e durante uma boa dezena de anos a única doca protegida) aparece no plano hidrográfico de 1904/06 pois a época, o local e as dimensões correspondem ao que vimos anteriormente. No entanto como se trata dum plano não é este dado que pode garantir que a PD já existisse em 1906 embora tal fosse muito provável pois como disse em cima em Agosto de 1907 já existia.

PLANTA de 1904/06 (plano hidrográfico do porto de LM)

Verde escuro: onde veio ser em 1910 a praceta de António Enes  com o 
monumento ao centro, da PD para terra como aparecia na FOTO 4 (pós doca)
Roxo, violeta e púrpura: limites da PD correspondentes
 aos que marcamos nas fotos de cima
Preto: ponte-cais Gorjão para leste da qual ficava a PD como se via nas FOTOS 1 e 2
Branco: limite a leste do aterro da PD (veremos no artigo F) 
a sua relação com lado a leste da PCA - ver NB 3
Verde médio: ruas em volta da praça 7 de março, actual 25 de junho, 
a mais à esquerda = leste era a Tavares de Almeida
Amarelo: Fortaleza de NS da Conceição estando a sua cortina a sul marcada a vermelho
Castanho escuro: Capitania Building (está marcado o canto a sudeste), 
foram dele tiradas as FOTOS 3 e 4

Resumindo vimos aqui nas duas primeiras fotos e provávelmente na terceira uma doca que identificámos como tendo sido a primeira do porto de LM e que podemos dizer que em 1907 já existia e que terá acabado em 1916 e que ficava a nascente = leste da ponte-cais Gorjão e a sul da praça 7 de março, actual 25 de junho. Com a FOTO 4 e a planta de 1904/06 confirmamos que o espaço da PD foi depois aterrado e que corresponde ao que agora fica entre a ponte-cais e o local agora ocupado por um grande armazém (o que aparece aqui ao centro e que está onde esteve a PCA).
Tema continua no próximo artigo e nos seguintes desta série.

NB 1: A porta desse armazém, que era o mais a leste das instalações portuárias junto ao cais, na FOTO 3 tinha uma separação em cima que era a mesma que se via na FOTO 2 por isso nas FOTOS 2 e 3 pelo menos era o mesmo. E como claramente as FOTOS 1 e 2 eram do mesmo local então eram as três do mesmo local (e presumo que esse pormenor apareceria também na FOTO 1 se a sua qualidade fosse melhor). Note-se também que se vê nas FOTOS 1 e 2 a mesma faixa de plataforma de cais entre o limite a poente da primeira doca e o armazém e que estava servir de depósito a descoberto para mercadorias e que o mesmo se passaria na FOTO 3.. 
NB 2: Uma dificuldade na percepção duma doca nesse local provêm do facto da proa do veleiro provávelmente estar a ocupar um pouco da sua entrada nessa doca mas como esta era larga suponho que tal não devia afectar o seu funcionamento.
NB 3: A parte a "branco" na planta de 1904/06 aponta do lado de terra para um ponto que ficava da metade da frente a sul do CB para o seu canto a SW. Comparando-se com a direcção do lado leste da PCA, a qual como mostramos neste artigo se alinhava com o meridiano da berma a oeste da rua Tavares d'Almeida, conclui-se que a nova PP da PD ficou um pouco para leste da PP inicial.

Comentários