Eng. António José de Araújo (Major Araújo) - rua com seu nome (2/2)

Esta é uma fotografia do Acervo Fotográfico de Manuel Augusto Martins Gomes, recuperada por zebmgomes para @eusouporquetufoste - reproduzida do FB daqui. © 2024 Eu Sou porque Tu Foste. All Rights Reserved. 

Rua (do Major) Araújo nos anos 60, em Lourenço Marques (LM)
vista para leste a partir do seu último quarteirão

A rua da Baixa de LM mostrada na foto de cima chamava-se Rua Araújo, actual Bagamoyo de Maputo (ver NB 1) desde cerca de 1886 precisamente em homenagem ao engenheiro militar António José de Araújo (ou d'Araújo) de que falamos no artigo anterior. 
Esta rua ao tempo em que lhe foi dado esse nome era umas das duas principais de negócios da cidade. Tinha-se chamado originalmente Rua dos Mercadores (aqui na zona da foto e vista na mesma direcção c. de 1895) pois concentravam-se aí muitas firmas (aqui e aqui por ex.) sendo uma das razões a sua proximidade ao estuário. Nesses tempos anteriores à existência duma ponte-cais directamente acostável por grandes navios, depois destes fundearem no estuário a sua carga era transferida para barcaças de fundo chato que podiam descarregá-la na praia próxima acedendo-se daí fácilmente ao espaço de armazenamento das firmas por aí instaladas. Por isso a localização nesta rua, nomeadamente para as firmas que estavam do lado sul (à direita na foto) e cujas traseiras estariam ainda mais para a direita e que davam directamente para a praia, era muito favorável nomeadamente para as que se dedicassem à importação e exportação de produtos por via marítima - ver os casos internacionais do Hansen Schrader e de Augustin Fabre, mais em geral aqui
Essa descrição da zona pode ser ilustrada por esta foto de 1887 (incluida neste artigo) mostrando a construção da linha de caminho de ferro, a praia original e as traseiras de alguns armazéns. Tendo em conta a posição da Fortaleza que aparece ao fundo e que a actual Av. Mártires de Inhaminga, a avenida que fica imediatamente para sul da rua Araújo por isso para a direita da foto de cima, fica mais ou menos a direcção da face sul da Fortaleza comprova-se que a praia original estava na traseira dos quarteirões limitados a norte por esta rua Araújo. Note-se que a ponte-cais actual cuja posição foi estabelecida a partir de cerca de 1904 está mais de uma centena de metros para dentro do estuário do que essa avenida e por isso de onde esteve essa praia original. 
Com a construção do lado da praia primeiro da linha de caminho de ferro e depois da ponte-cais Gorjão a vantagem logística inicial da localização de firmas na rua Araújo decresceu e com a expansão da cidade na Baixa e para a parte alta a rua foi perdendo a importância que tinha tido. As firmas de escritórios e de comércio passaram a poder instalar-se em novas zonas em edifícios mais modernos, espaçosos e de acesso mais fácil e com mais prestígio. Apesar disso e do facto de nomes de outros personagens históricos da formação da cidade terem sido dados a novas ruas e praças, o nome do Major Araújo continuou em lugar de destaque na escrita e na oralidade locais até à independência de Moçambique porque para lá de instituições oficiais no seu lado oriental (Estatística, Arquivo Histórico), do BCCI e da Coop), das empresas comerciais e das ligadas aos transportes, desde cedo a rua teve actividades mais lúdicas, e isto sem que houvesse uma separação muito estrita de locais. Lá estiveram instalados hotéis (Central e Carlton), um rinque de patinagem e depois teatro/cinema (Varietá) e pelo menos um casino (Costa) e a rua ficou especialmente conhecida pela vida noturna de dancings mais ou menos "manhosos" (aqui um "music hall" na parte central / a sul da rua na primeira década do século XX), espectáculos de strip-tease e prostituição, motivadas especialmente pela proximidade do porto e da estação de caminhos de ferro. Na FOTO 1 por exemplo viamos à esquerda um edifício antigo onde estava instalado o Dancing/Bar Pinguim com o seu chamativo reclame de néon que no entanto convivia pacificamente com a histórica e muito respeitável firma "Delagoa Bay Agency" que estava instalada no prédio moderno que se vê à direita = sul em primeiro plano. E mesmo que do lado mais a oriente da rua os aspectos institucional e comercial predominassem (aqui a Casa Zuid) isso não impedia que a certa altura por aí funcionasse o provávelmente venal Dancing Aquário no edifício do Teatro Varietá.
Podemos ver a seguir mais uma uma imagem da rua nesses tempos que sublinha esa ideia:

FOTO 2
Rua Araújo nos anos 60 em LM, tal como na FOTO 1 
vista para leste desde o seu último quarteirão

Na FOTO 2 pode-se observar neóns de bares e dancings os quais se sobreporiam às indicações das empresas que também por aí se localizavam e que seriam muito mais discretas  Por exemplo um pouco antes antes do Pinguim - cujo neon marquei a "vermelho" na FOTO 2 e que era o mesmo da FOTO 1 e de cujo prédio marquei a "amarelo" a parte superior lateral a oeste da varanda alpendrada - ficava o edifício da firma transitária Mann George mas não é fácil apercebermo-nos dele (tem a marca "roxa" na fachada principal entre os primeiro e segundo andares). O contraste entre o arrojo da mensagem visual do "bas fond" e a discrição do mundo dos negócios que partilhavam a rua (por ex. a DB Agency à direita a "azul" passaria incógnita) e penso eu que o peso diferente que as pessoas (eu pecador me confesso ...) darão a uma e outra actividades dentro da tradicional moral "judaico - cristã" explicarão porque a imagem da rua esteve mais ligada ao aspeto menos convencional. 
Noto ainda que a utilização de muitos edifícios da rua foi mudando com o tempo. Por exemplo o edifício que era do Pinguim ao tempo das fotos de cima, cerca de 1929 tinha sido usado pela firma armazenista de Luiz Vieira e anteriormente por uma delegação do Standard Bank. Note-se que esse edifício de que nos últimos tempos quase só se mantinha a fachada foi entretanto demolido e substituido por uma construção em altura (grande demais para a rua e para a zona), aqui ao centro. 
Depois da Independência os nomes de quase todas as ruas da cidade foram alterados e poucos dos residentes actuais saberão onde foram por ex. as importantes avenidas Augusto de Castilho (que foi governador de LM ao tempo da sua grande afirmação, que é actual Lenine), General Machado (que foi o primeiro dirigente das Obras Públicas e mais tarde Governador Geral, que é a actual Guerra Popular) e António Enes (que foi o Comissário Régio em Moçambique na época do cerco à cidade, uma avenida que é a actual Nyerere, mais uma praceta que desapareceu) e a praça de Mousinho (que foi destacado chefe militar e administrativo, praça que ainda é a mais importante da cidade. mas agora chamada da Independência). A rua Araújo também foi re-denominada e Bagamoyo foi o local dum centro de treino revolucionário da Frelimo na Tanzânia e presumo eu que foi escolhido expressamente para vincar o contrastre com o considerado depravado passado colonial da rua (mas ver NB 2). 
Ora a estas personalidades que citei, apesar de algumas terem tido presença fugaz na cidade de LM, foi dado no tempo português muito maior relevo toponímico e histórico do que o dado ao Major Araújo, até porque se tratavam de militares combatentes e de políticos prestigiados aos quais é comum ser dado mais destaque do que a pessoas com perfil mais técnico como ele. No entanto os seus nomes foram esquecidos nos quase 50 anos que decorreram após a independência enquanto que o nome Araújo continua, embora oficiosamente, no "imaginário" da cidade ligado à vida boémia e ao "bas fond", como se vê aqui e em muitas outras referências de actuais e antigos residentes (ver NB 2). 
Pondo-nos agora na "mente" de Araújo, presumo que em vida ele se tenha apercebido de que a rua não seria a mais desejável para que o seu nome fosse homenageado, mas teve de aceitar as coisas como eram. Mas como reagiria ele agora ao saber que foi essa conotação "imoral" da rua que extendeu a lembrança do seu nome na cidade e muito para além da dos seus superiores hierárquicos? Teria ele considerado esse aspecto à priori negativo como sendo um "preço a pagar" aceitável pela fama mais duradoura? Pois ..., não sabemos ...

NB 1: O nome da rua que constava das cartas da cidade é Rua Araújo mas ela era também conhecida como Rua do Major Araújo. Esse era o seu posto quando recebeu essa homenagem da população da cidade por volta de 1887 mas vimos no artigo anterior que uns anos depois, em 1894, ao tempo do cerco à cidade, ele tinha já sido promovido ao posto imediatamente superior de tenente-coronel. E da biografia do Eng. Lopes Galvão fica-se a saber que por volta de 1907 Araújo tinha sido graduado no posto imediatamente superior de coronel. 

NB 2: Essas antigas actividades noturnas persistem na rua o que prova que as muitas décadas passadas desde cerca de 1896 não foram suficientes primeiro para a afirmação do suposto beato e virtuoso "homem de bem" no período salazarista e depois para a do suposto "homem novo" revolucionário no período frelimista. 

PS: Tendo os nomes de ambos sido dados a locais e instalações públicas em Lourenço Marques no tempo português, não se deve confundir o nome do militar e engenheiro António José de Araújo (ou d'Araújo) de que aqui falamos com o do Governador - que como não o foi de Moçambique presumo que tenha sido do Distrito de LM - Joaquim de Araújo (nome dado à escola preparatória por exemplo). O motivo do destaque dado a Joaquim de Araújo foi de em 1782, quase um século antes da presença de António José de Araújo em Moçambique, ter lançado no local as bases do que viria a ser a feitoria, povoação, vila e cidade de Lourenço Marques - FB Obras de Pereira de Lima.

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