Eng. António José de Araújo (Major Araújo) - curta biografia (1/2)

 

Assinatura de António José de Araújo no plano da cidade de LM de 1887 
como Director das Obras Públicas de LM (AHM)

Sobre os militares portugueses que foram colocados em Lourenço Marques (LM), actual Maputo para o final do século XIX encontram-se fotos ou pinturas em livros ou na net, mas sobre o militar de artilharia / engenharia António José de Araújo (ou d'Araújo), que nasceu em 1848 e seguindo o Eng. Lopes Galvão parece que vivia ainda em 1940, não as encontro e apesar de certo esforço para o conseguir. Até presumo que Araújo fosse um dos presentes aqui junto ao Rio Incomáti em 1897 onde para além do que parece ser J. J. Machado (aqui em destaque como Governador Geral, anos mais tarde) temos mais militares portugueses (e que aqui seriam só "ingleses") mas de concreto ...
Ora como veremos a seguir A. J. de Araújo foi uma personalidade fundamental nos primeiros anos da LM "moderna" e é pena que não se possa associar-lhe uma imagem ao contrário do que acontece com muitos dos seus contemporâneos ilustres. Neste contexto a assinatura e escrita que se vêm em cima servem de fraca alternativa para ilustrar este artigo. 
Registo também com alguma surpresa que os autores luso-moçambicanos do período final do tempo português não tenham procurado dar de A. J de Araújo um retrato mais completo. Por exemplo nos seus livros Alfredo Pereira de Lima dá destaque aos seus feitos profissionais mas não à pessoa. Será que se confrontaram com falta de dados adicionais aos que já eram conhecidos na altura e que não quiseram limitar-se a repeti-los? 
Certo é que este militar português desempenhou cargos de relevo civis e militares em Moçambique durante quase duas décadas, tendo sido lá colocado primeiro de 1881 a 1890 e depois, com um pequeno intervalo, entre c. de 1891 e 1896 e tendo lá voltando mas temporáriamente entre o final de 1896 e o início de 1897, passando depois definitivamente ao serviço dos Ministérios das Obras Públicas e do Ultramar em Lisboa. Nessa longa estada em Moçambique Araújo esteve particularmente envolvido nos assuntos de LM pelo menos entre c. de 1885 e 1896 tendo participado em momentos decisivos na história do burgo, e entre outras funções, como engenheiro e dirigente das Obras Públicas, como presidente da Câmara, na construção inicial da linha férrea para Ressano Garcia e com destino a  Pretória (aspectos que desenvolvo aqui e aqui) e na sua fiscalização e correcção (aqui) e como especialista militar da sua Defesa em 1894 (também aqui e aqui), tarefas pelo que foi amplamente reconhecido pela população e pelo poder monárquico da altura. 
De impacto mais duradouro foi especialmente o plano que Araújo concebeu para o desenvolvimento da cidade, preparado em 1887 e aprovado em 1892, e que foi seguido dessa altura até digamos aos anos 60 do século XX. Daqui se pode ver a influência que A. J. de Araújo teve e tem no desenho do arco mais antigo da cidade de 4 km de raio e que vai da Baixa para a Alta e digamos até à antiga Estrada da Circunvalação. De notar que a excelsa equipa da Obras Públicas do Eng. Joaquim José Machado quando chegou a LM em 1877 tratou rápidamente de desenhar um plano (esse foi da autoria do eng. Ferreira Maia) que era configurado em anéis em torno da posição elevada (que foi depois escolhida para colocar os depósitos dos SMAE/ EDM) o qual foi só realizado em muito pequena parte. A seguir passou a vigorar o plano de Araújo de tipologia reticular e que foi o que tomou raízes, falo disso mais em detalhe aqui
Neste artigo tento agregar informação sobre A. J. de Araújo de três fontes, a mais completa do Tenente Coronel Eng. Lopes Galvão que uso já em cima, alguma informação adicional de Eduardo Noronha e a menção ao seu trabalho no plano de LM comentado pelo HPIP. Registo por ex. que não encontro documentos sobre Araújo no archeevo do exército português - arquivo histórico militar mas ver no entanto o PS ao fundo referindo a memória escrita por ele onde terá mais informação sobre a sua actividade em Moçambique até 1889, data da publicação. 
Começamos pelo que o Eng. Lopes Galvão escreveu em 1940 na sua preciosa obra "Engenharia Portuguesa ..." da página 191 à 194, aqui reprodizido com pequenas adaptações / acrescentos e hiperligações relacionadas (NB). 
"Este engenheiro (António José de Araújo) deixou um nome perdurável em Lourenço Marques, onde durante muitos anos dirigiu o caminho de ferro, em quadra bastante difícil, devendo-lhe ainda a cidade bastantes melhoramentos realizados como presidente da Câmara. A uma das principais ruas da cidade foi dado o seu nome em manifestação de público reconhecimento pelos serviços prestados (ver artigo seguinte). 
O engenheiro Araújo nasceu em Lisboa a 20 de Setembro de 1848. Fez os preparatórios no Colégio Militar e foi aluno da Escola do Exército onde tirou o curso de artilharia. Em Janeiro de 1881 (NB: quer dizer durante cerca de 10 anos seguiu estritamente a carreira de oficial militar) foi nomeado engenheiro do quadro das Obras Públicas de Moçambique. Sucedeu ao major Joaquim José Machado e foi ele que veio dar início aos trabalhos de construção do caminho de ferro que este havia estudado. O Governo, apesar de andar em negociações para a concessão do caminho de ferro, resolveu dar início à construção por administração (directa), tão grande era a urgência em a levar a efeito. Encarregou-se dela a direcção das Obras Públicas que deu começo aos trabalhos em 1885 (NB: disso falei aqui mas presumo que aconteceu em 1886, não em 1885). Entretanto ultimavam-se as negociações e a concessão do caminho de ferro foi dada (NB: ou oficializada tendo sido atribuida antes?) a uma Companhia organizada pelo célebre americano Mac-Murdo (NB: Edward McMurdo, aqui) , que tantos prejuízos e contrariedades havia de causar à Colónia e ao país. Mac-Murdo contratou a construção com o empreiteiro Tomaz Cauganete que em 1887 tinha os trabalhos concluídos até ao rio Incomate, fazendo-se nesse ano a sua inauguração (NB: prematura, aqui)
O major Araújo, que por conta do Estado dirigira a construção (NB: dos kms iniciais a partir de LM), passou a director da fiscalização logo que a concessão foi dada (NB: pelo que se constatou depois a fiscalização pode nâo ter sido perfeita mas o problema pode ter nascido no plano de implantação original, antes do envolvimento de Araújo ...) . E quando em 1889 o Governo Central resolveu rescindir o contrato com Mac-Murdo, foi ainda o Major Araújo encarregado de dirigir a exploração e de fazer a reconstrução da linha, pois as cheias de Fevereiro de 1889 haviam-na destruído em grande parte, arrastando grande número de pontes (NB: reconstrução aqui). A seguir foi a linha prolongada até Ressano Garcia sendo a inauguração oficial dêste trôço feita em Março de 1889. A sua construção foi entregue ao empreiteiro Solher, tendo fiscalizado os trabalhos o engenheiro António Maria de Sousa Pereira. (NB: aqui e de novo aqui, o caso é mais complicado do que a versão "oficial" portuguesa o apresentava). 
O engenheiro Araújo regressou a Portugal em Setembro de 1890, chamado pelo Governo da Metrópole, mas no ano seguinte voltou a Lourenço Marques, tomando novamente conta da direcção das Obras Públicas. Tendo-se notado certas irregularidades na exploração do caminho de ferro foi nomeada uma Comissão de sindicância a toda a escrituração e aos serviços de exploração. O engenheiro Araújo fêz parte dessa Comissão. Em consequência dos resultados apurados, foi novamente investido no lugar de director do caminho de ferro à frente do qual se conservou até 1896, ano em que regressou definitivamente a Portugal.
(NB: Voltando atrás no tempo) Em 1883 vemo-lo presidente da Câmara Municipal de Moçambique (NB: provávelmente seria da Ilha onde na altura estava a capital da então Colónia. Noto que em Janeiro de 1881 A. J. de Araújo tinha sido nomeado pela primeira vez para as OP da Colónia de Moçambique). Antes disso (NB: quer dizer que terá sido entre 1891 e 1893) havia sido nomeado vogal do Conselho de Instrução Pública da Colónia. Fez parte de uma comissão encarregada de formular um projecto de regulamento do arsenal de Moçambique (NB: do que terão resultado as oficinas navais na Catembe?). Foi presidente de outra comissão encarregada de determinar as coordenadas geográficas de um farol a construir na ilha da Inhaca (NB: aqui o de 1894) e conhecer da conveniência da colocação de mais um farol na ilha da Xefina Grande. Nos últimos tempos em que esteve em Lourenço Marques foi encarregado do expediente do Governo do Distrito na ausência do Governador. 
Regressando à Metrópole (NB: em 1896), foi logo nomeado Inspector extraordinário das Obras Públicas e Caminhos de Ferro Ultramarinos. Quando entrou na última fase a questão com o empreiteiro Mac-Murdo, foi ele escolhido para acompanhar os peritos técnicos nomeados pelo tribunal arbitral de Berne na inspecção ao caminho de ferro de Lourenço Marques, tendo partido para esta cidade em Novembro de 1896. Dali regressou em 19 de Fevereiro de 1897 (NB: sobre o processo que levou à arbitragem da disputa pelo tribunal suiço aqui)
Tendo resolvido deixar o serviço do Ultramar foi nomeado vogal da Comissão Superior Técnica das Obras Públicas do Ultramar. Mais tarde ocupou o lugar de vogal extraordinário da Junta Consultiva do Ultramar, passando a vogal efectivo logo que houve vaga. Em 1905 passou definitivamente ao serviço do Ministério da Marinha e Ultramar onde continuou a prestar relevantes serviços. 
Em ofício de 13 de Setembro de 1907 o Conselheiro Dias Costa, director geral do Ultramar, fundamentava pela seguinte forma uma proposta para que o engenheiro Araújo fosse agraciado com o Grande Oficialato da Ordem de S. Bento de Aviz. Dizia ele: 
O coronel graduado de artilharia em comissão nesta secretaria de Estado tem desempenhado relevantes serviços que passo a enumerar:
1.°— Na direcção da construção da 1a secção do caminho de ferro de Lourenço Marques ao Transvaal, havendo-se com tal zelo que como recompensa foi condecorado com a Comenda da Ordem Militar de S. Bento de Aviz;
2.° — Na sua qualidade de engenheiro fiscal
(izador) do Governo junto da Companhia concessionária do caminho de ferro de Lourenço Marques e como director dêste caminho de ferro, prestou excelentes serviços que lhe mereceram a carta de Conselho dada em 29 de Maio de 1890.
3.° — Prestou relevantes e excepcionais serviços na defesa da cidade de Lourenço Marques, pelo que foi condecorado a Comenda da antiga e muito nobre ordem da Tôrre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito;"

Sobre o tema desta 3.a passagem do Eng. Lopes Galvão no seu livro Engenharia Portuguesa aparecem detalhes no livro de Eduardo Noronha "A rebellião dos indigenas em Lourenço Marques" de 1894 (Internet Archive - archive.org). É aí dito que o tenente coronel Araújo, na altura director dos Caminhos de Ferro, a partir do dia 23 de setembro de 1894 (data da primeira morte portuguesa em Anguane à mãos dos revoltosos ronga) foi um dos três militares que com mais umas quatro dezenas de civis do pessoal da companhia guarneceu um Posto de Defesa (PD) colocado no Matadouro antigo, na periferia a oeste da baixa da cidade. O mesmo livro diz também que pouco depois, na noite de 25 de setembro de 1894, quando foi decidido barricar as entradas no núcleo da Baixa, que A. J. de Araújo comandou a barricada da avenida 18 de maio (que esteve por aqui, junto à actual Praça dos Trabalhadores). Esta também foi defendida por trabalhadores do caminho de ferro pelo que suponho que ele tivesse comutado entre ela e o referido PD, cujas posições distavam digamos uns 1 400 metros. Noto que o número de oficiais do exército colocado em LM ao início da revolta era muito reduzido e que os reforços pedidos à Ilha e à Metrópole demoraram a chegar. Por isso foram principalmente os oficiais de Marinha da fragata Rainha de Portugal que estava colocada no porto que participaram na defesa mas dado o seu reduzido número e múltiplas tarefas a executar foram também integrados os quadros militares que estavam em comissão de serviço civil como era o caso de Araújo.   

Voltando ao livro do Eng. Lopes Galvão, agora na parte final do seu capítulo sobre A. J. de Araújo e em que falava de Araújo como estando vivo, pelo que teria aí mais de 90 anos): 
"4.°— Durante a sua longa carreira tem prestado outros serviços importantes que lhe mereceram louvores;
5.°— Ultimamente tem sido encarregado de serviços especiais e de responsabilidade, dos quais se tem saído com proficiência. Além dos muitos louvores que lhe foram dados pelo Governo da Colónia de Moçambique, e foram tantos quantas as comissões de serviço para que foi nomeado, tinha a medalha de prata de assiduidade de serviço no Ultramar e a medalha de ouro por serviços relevantes prestados às colónias.
Em 1907 foi-lhe dado, o Grande Oficialato da Ordem de S. Bento de Aviz de que já era comendador."

Sobre a actividade de Araújo para o planeamento da cidade do site do HPIP (referente ao património construido pelos portugueses no Ultramar) vemos o seguinte em relação a Maputo [Lourenço Marques] e ao documento em que vemos a sua assinatura em cima:
"Antes de 1870, Lourenço Marques era pouco mais do que um posto de comércio protegido por um pequeno forte. Mas o tratado de 1869 com o Transvaal e o aumento do tráfego a partir do hinterland, resultante das descobertas de minérios, cedo transformaram Lourenço Marques num dos centros urbanos com maior crescimento em África.
Em 1887, o major engenheiro António José Araújo propôs um plano para dotar a cidade alta de avenidas extensas. Nele, ou no seu desenvolvimento, terá trabalhado o engenheiro Joaquim José Machado (NB: suponho que tenha sido Machado a propor e Araújo a executar dada a posição hierárquica, tanto civil como militar, dos dois mas ...) . O original do documento, de extremo interesse e valor documental, designado Plano de Ampliação da Cidade de Lourenço Marques, está assinado por António José de Araújo, Diretor das Obras Públicas de Lourenço Marques e refere o Serviço de Obras Públicas, Direção Geral do Ultramar, Ministério dos Negócios da Marinha e do Ultramar, com a data de dezembro de 1887, encontrando-se no Arquivo Histórico do Maputo (AHM, cota D.1.34). 
Este plano foi aprovado oficialmente em 1892. Surgiu assim um traçado regular, como expressão do sentido prático dos modelos da engenharia militar. Nele se delineava a cidade de forma completa – a mais “moderna” da África Portuguesa na época – com uma rigorosa quadrícula inicial, com dez vias no sentido sudoeste/nordeste (da Avenida Augusto de Castilho/Lenine à Avenida de Angola) e oito no sentido noroeste/sudeste, desde a Avenida da República/25 Setembro – interface com a existente Baixa – até à Avenida Pinheiro Chagas/ Eduardo Mondlane. A cidade teria cerca de 1.400 habitantes. O cemitério, a norte deste conjunto, estava naturalmente fora de portas, marcando o limite desta primeira fase da expansão.
Em 10 de novembro de 1887, Lourenço Marques foi elevada à categoria de cidade e a 1 de dezembro de 1898 passou a ser a capital da Colónia Portuguesa de Moçambique, condição que, até então, pertencera à Ilha de Moçambique. O plano de 1887 permitiu a expansão da urbe, dotada de uma nova escala e grandeza, em continuidade com a malha já existente do antigo presídio ,para os amplos espaços a norte. Secou-se então o pântano com um dique à volta do núcleo antigo e demoliu-se a linha de defesa (em 1888). Esta intervenção lê-se na planta intitulada Cidade de Lourenço Marques e Projecto de Ampliação, à escala de 1/20.000, sobreposta ao mapa de Owen (Lobato, 1970, p. 179). Desta fase há vários testemunhos urbanísticos: pelo engenheiro António José de Araújo, o projeto da Avenida António Augusto de Aguiar, de 1887; e o Plano da nova cidade de Lourenço Marques, feito por M. Murdo, de 19 de outubro de 1888 (Exposição…, 1937, n.os 50, 57 e 71). Este último documento refere-se por certo ao americano Mac-Murdo, sendo possivelmente o plano para a área da Ponta Vermelha, só em 1896 inserida na urbe".
Voltando mais directamente a A. J. de Araújo, em termos de postos militares, ao tempo das suas comissões em Moçambique, ele era Major em 1885 (posto que tinha quando o seu nome foi dado a uma rua da cidade por essa altura) e em 1894 era Tenente Coronel, e depois do regresso definitivo à Metrópole foi graduado no posto imediatamente superior que é o de Coronel. 

Continua no próximo artigo.

PS: Fica-me por ler sobre o Caminho de Ferro e outros temas da cidade de LM "Os acontecimentos de Lourenço Marques: a questão do caminho de ferro", a memória do próprio A. J. de Araújo para a Sociedade de Geografia de Lisboa" escrita em 1889 (note-se que antes do cerco e ataque à cidade e a da respectiva bem sucedida defesa que aconteceram em 1894) - Harvard.

Curiosidade em Archeevo: Hino do Corpo Expedicionário a LM de 1895

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