Porto de LM no início - chegada de Henri Junod em 1889 a LM e evolução posterior da zona portuária (33/)

Sobre Lourenço Marques (LM) actual Maputo e particularmente o seu porto nos tempos iniciais podemos ver o que o missionário suíço Henri Junod (HJ) escreveu sobre a sua chegada a 5 de julho de 1889 e a partir daí tantar completar alguns temas anteriores. O relato de HJ aparece na biografia escrita por seu filho Henri-Philippe Junod de que já falámos por exemplo aqui e aqui e foi o seguinte: “Como descrever Lourenço Marques? Uma alameda de grandes coqueiros cujas plumas de vegetação se destacam como manchas no céu; em frente, a cidade baixa, de onde não se avista muito o mar, o edifício da alfândega pintado de azul, com janelas góticas. Grandes hangares na margem do estuário, um cais muito primitivo; atrás dos coqueiros, a colina baixa erguendo-se em declive suave, e toda pontilhada de casas de ferro cinza ou de residências brancas".
Analisando isto, uma alameda claramente definida com coqueiros como HJ referia não existia pois a av. D. Carlos, actual 25 de Setembro, a única que pela sua largura podia ter sido considerada essa alameda não os tinha. Outra possibilidade seria a via de ligação da Baixa para a alta e que, grosso modo, corresponde à actual Av. Samora, antiga Aguiar e D Luis. Neste artigo aparece uma gravura dessa avenida de c. de 1895 sem presença notória de coqueiros mas como se vê aí ela era recente e seis anos antes, ào tempo da chegada de HJ, não devia existir ainda (essa avenida é do plano de Araújo de 1887 mas só aprovado oficialmente em 1893). Todavia nessa gravura aparece à esquerda = leste a estrada das Mahotas que antecedeu essa avenida a qual também não parecia particularmente rodeada por coqueiros embora houvesse bastantes dentro do jardim botânico que lhe ficava mais para a esquerda = leste e outros espalhados pelo resto da encosta como de via aqui noutras fotos dessa zona. Também se podia ver aqui (no artigo sobre a segunda casa de ferro) outra foto de cerca de 1895 - 1900 dessa avenida Aguiar e do que a rodeava e por onde se concentravam as construções do burgo da altura e quanto a coqueiros o mais notório seriam uns três na praça junto ao estuário. Por exclusão de partes, pergunto-me se teria HJ chamado alameda à praça e exagerado o aspecto desses coqueiros no seu relato?  
Quanto à referência de HJ à parte do burgo em desenvolvimento para cima do antigo pântano, ele mencionava casas de ferro mas a mais conhecida só foi encomendada pelo Governo em 1892 e por isso o que ele observou poderiam ser casas de madeira e ferro zincado que eram as mais comuns.
No que se relacionava directamente com o porto em 1889 a descrição de HJ parecia mais realista pois a Casa da Alfândega que ele mencionava era esta (e passamos agora a saber que nessa época estava pintada de azul, aqui nas FOTOS 3 e 4 aparecia com outras cores mas tal dependia da criatividade do colorizador dos originais). O hangar para armazenagem de mercadorias junto ao estuário que ele referia seria certamente o primeiro coberto, o qual vimos aqui (castanho) e que ficava em frente (para SW) à Casa da Alfândega. E o que HJ dizia sobre a simplicidade do cais corresponde ao que se conhece como vimos por exemplo no artigo 19 desta série onde aparece esse armazém (coberto) e os muros de suporte na borda do estuário que antecederam a plataforma do Cais da Alfândega e as suas Ponte da Alfândega e Ponte de Passageiros já mais complexas. 
Para tentar ilustrar aqui estas impressões de Henri Junod (HJ) mas mais do lado marítimo seguem-se fotos tiradas por outros missionários suíços e que presumo seriam do final do século XIX (19), quer dizer posteriores de alguns anos posteriores à primeira chegada de HJ a LM, embora não tenhamos datas precisas para elas. Elas são do tipo e presumo que da mesma época que as que vimos aqui e aqui também com a mesma origem e disponibilizadas no site da Universidade Southern California (USC).
Sublinho que ao tempo destas fotos não devia haver ainda em LM cais directamente acostável a grandes navios pelo que eles ancoravam no estuário sendo o transbordo de pessoas e mercadorias para terra feito por escaleres / lanchas e por barcaças.

FOTO 1
Um grande veleiro (pois não parece ter chaminé) no estuário do Espírito Santo
visto de LM para o lado da Catembe (foto DMO +)

Se na primeira foto o grande veleiro isolado parecia indicar pouca frequência no porto as duas seguintes, da mesma zona e tiradas com poucos minutos de separação entre elas, mostram maior número e variedade de navios a utilizá-lo:

FOTOS 2 e 3
Estuário de LM visto do burgo mas parece-me que na direcção de SE (Ponta Mahone para o fundo) 

Nas FOTOS 2 e 3 para além das embarcações tradicionais mais junto à praia, para o meio do estuário aparecem muitos vapores e navios mistos. Tentando relacionar com o que seria o aspecto do estuário junto ao porto ao tempo da chegada de HJ em LM em 1889 penso que nessa altura os vapores deveriam ser mais raros por isso suponho que estas três fotos lhe sejam posteriores (ver NB 1).
Revendo e sumarizando agora a situação do porto e da primeira zona portuária de LM (criada junto à Casa da Alfândega para sul e SW da praça 7 de março, actual 25 de junho) nos anos imediatamente a seguir à chegada de HJ, há poucos dados detalhados (embora me falte ainda ler a publicação "Resumo Histórico ... porto de LM de 1874 até à actualidade" que foi publicada em 1902) e fotos que tenham sido tiradas do meio do estuário para esse lado do ainda incipiente cais e que mostrariam os seus pequenos detalhes . 
Penso que depois das construções iniciais em 1889/90 que HJ terá já tido a oportunidade de ver que a primeira alteração posterior de relevo terá sido a que possívelmente teria existido cerca de 1897/99 e de que falei neste artigo. Tratar-se-ia na criação duma Pequena Doca Interior (PDI) em parte com origem em construções pré-existentes mas principalmente resultado da construção dum grande molhe paralelo a terra e colocado bastante mais dentro do estuário do que os muros-suporte / cais inicial mais ou menos alinhados com a cortina sul da Fortaleza.
A alteração seguinte do cais terá acontecido a partir de c. de 1889 e será mostrada na FOTO 4 seguinte que foi tirada um pouco para oeste do meridiano da praça cuja posição é indicada pela do (segundo) coberto da Alfândega que estava ao seu fundo. Esta foto foi publicada em 1901 e deverá ser mesmo desse ano pois aparece à sua direita o edificio dos Paços do Concelho que é desse ano. Nela aparecem a plataforma do Cais da Alfândega (criado em parte onde tinha estado a referida PDI) e projectando-se dela para o estuário a sua Ponte de Passageiros (PP) e talvez a da Alfândega (PA) - ver as duas aqui.

FOTO 4 (completa e cortada com marcas)
Preto, à esquerda: podia ser base da PA em forma de "L", antecedendo aí o que vieram a ser 
os limites a oeste da primeira doca e a leste da primeira secção da ponte-cais Gorjão
Roxo tracejado: muro-cais a norte da PCA, que viria a ser o limite a norte da primeira doca
Púrpura: base do "L" da Ponte de Passageiros anterior à da primeira doca 
(e penso que diferente)
Vermelho: canto a SW da Fortaleza, a face a W com a porta ao meio e o baluarte saliente a SW
Rosa: segundo armazém do porto no topo sul da praça 7 de março (aqui na primeira foto)
Verde claro: torre do Allen Wack (vê-se 
na foto mais larga penetrando no estuário 
a sua ponte com a casa "entre" o paiol e os paços) 

Recordando também o que foi dito antes, tanto a Ponte da Alfândega (PA) - que estaria para a esquerda = oeste desta foto como a Ponte de Passageiros (PP) desse tempo eram construídas em ferro e madeira enquanto que a PCA era em alvernaria. A PA ficava uns 100 metros para oeste da PP, como se via nesta foto da zona e também tirada do estuário e mais pormenorizada que a FOTO 3 acima.
Poucos anos depois da situação da FOTO 4, de cerca de 1903 em diante, terá havido nova alteração significativa nessa zona portuária de LM com a criação da primeira doca e da qual falaremos mais detalhadamente na série sobre a primeira doca. Nessa primeira doca continuou a haver referência a uma PP que a fechava do lado a leste e canto a SE, mas suponho que ela fosse diferente da PP inicial. 
Aqui o resto da série de artigos sobre o desenvolvimento do porto até ao início do século XX. 

NB 1: Presumo que a FOTO 1 seja do tempo da FOTOS 2 e 3. Como disse neste artigo havia zonas separadas (quadros) no estuário para se fundear navios conforme os seus tipos de propulsão e por isso o facto de na FOTO 1 aparecer um veleiro isolado não significaria que na zona própria para eles não estivessem muitos vapores. Quero dizer, a predominância em fotos parciais do estuário de vapores (que à primeira vista significaria fotos mais recentes) ou de veleiros (que significaria fotos mais antigas)  podia estar associada não à data das fotos mas à zona do estuário que tivessem sido captadas pelas objectivas. 

NB 2: Não se vê desses pormenores na FOTO 4 de cima mas havia guindastes grandes colocados do lado mais a oeste da PCA, o que se ligava à PA (ver aqui e aquie até sobre esta também havia guindastes para carga e descarga de barcaças (lighters) embora mais ligeiros (ver aqui pelo menos nas FOTOS 4 e 5). Do lado mais a leste da PCA não havia guindastes pois estava aí o corredor de acesso para passageiros entre terra firme e o início da PP como se podia ver nas fotos com os refugiados da segunda guerra anglo-boer e sobre a PP também não tinham sido colocados havia guindastes (ver aqui da FOTO 1 à 4) dado ela ser uma construção mais ligeira que a PA pois estava reservada à movimentação de pessoas. Esses dados ajudarão a distinguir em fotos antigas as que são da PA e as que são da PP que existiam por volta de 1900 / 1903. O outro elemento útil para esse efeito é que embora ambas tivessem forma de "L" as suas bases estavam em sentidos opostos pois no "L" da PA a sua parte vertical estava a oeste da base enquanto que no "L" da PP a sua parte vertical estava a leste da base.

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